A história de Becas (ou Boss AC), a primeira mulher que vai liderar o CDS

A história de Becas (ou Boss AC), a primeira mulher que vai liderar o CDS


Assunção Cristas nasceu em Luanda, no mesmo verão em que foi fundado o CDS, e subiu depressa dentro do partido. O percurso da mulher que nunca escondeu a ambição de liderar os centristas


Em 2007, o país era governado por José Sócrates com maioria absoluta e Paulo Portas regressava à liderança do CDS, depois de dois anos fora da política ativa e de uma dura guerra interna entre Ribeiro e Castro e os órfãos do “portismo”. Foi neste contexto que Assunção Cristas entrou para o CDS. Hélder Amaral estava no Largo do Caldas a trabalhar nas eleições autárquicas desse ano quando Assunção Cristas foi inscrever-se como militante. “O Paulo disse-me: ‘Vais ouvir falar muito dela’”, recorda o dirigente centrista.

Portas tinha voltado à liderança para evitar que o CDS voltasse a ser “o partido do táxi”, como disse numa entrevista à Antena 1, e tentava captar novos quadros com o objetivo de dar um novo elã aos centristas. Cristas estava longe da política partidária, mas era próxima de ativistas contra a despenalização do aborto e um amigo desafiou-a para escrever num blogue. Daí a envolver-se na campanha do “não” foi um pequeno passo, mas foi a ida ao programa “Prós e Contras” que lhe deu visibilidade. Portas não estava ainda na liderança do CDS nem conhecia Cristas, mas mandou-lhe uma mensagem por telemóvel a dar os parabéns pela intervenção. Uns meses depois, quando voltou à liderança, ligou-lhe com um convite para entrar para a família centrista. “Disse ao dr. Portas: ‘Não sei se gosto, não sei se isto faz sentido, não sei se isto é para mim, mas vamos experimentar’”, contou em 2010, numa entrevista ao “Público”, a agora candidata à liderança do CDS.

Ainda foi aconselhada por um amigo social-democrata a ir para o PSD, onde o poder está mais à mão, mas achou que faltava ideologia no partido então liderado por Marques Mendes. O que a atraiu foi a democracia cristã. “Do ponto de vista ideológico, é uma democrata-cristã. Não é liberal nem conservadora, mas é uma democrata-cristã. Vai beber à doutrina social da Igreja”, diz ao i Duarte Bué Alves, ex-chefe de gabinete de Assunção Cristas no Ministério da Agricultura.

A opção ideológica da primeira mulher a chegar à liderança do CDS começou a definir-se cedo. A mãe é médica, o pai empresário, os dois são de direita. “Habituei-me a olhar para o mundo com os olhos de uma família de direita. Se alguma vez questionei isso? Nunca senti essa necessidade.”

“Fartei-me de chorar” Assunção Cristas nasceu em Luanda e veio para Portugal com apenas nove meses, nos tempos quentes da revolução. A história da família está ligada ao conturbado processo de descolonização e ainda hoje os pais guardam o bilhete de avião de regresso a Luanda. “Os meus pais voltaram sempre a achar que iam regressar um dia e que aquela era a terra deles”, contou no programa “Alta Definição”, na SIC. Assunção cresceu a ouvir histórias ligadas à ex-colónia e sobretudo à forma como milhares de portugueses foram obrigados a regressar à Metrópole. Só voltou a Luanda em 2004 e foi visitar a casa onde passou os primeiros meses de vida, o hospital onde a mãe trabalhou, o escritório do pai e o cemitério onde ficou o irmão que morreu bebé. “Fartei-me de chorar”, revelou uns anos mais tarde.

Com quatro irmãos, Assunção foi batizada pela irmã mais velha como Becas e ainda hoje é tratada assim em casa. Na escola sempre foi tratada por Assunção. Estudou no Colégio do Bom Sucesso, uma instituição privada de inspiração católica onde estudam hoje os filhos e, mais tarde, largou o rígido uniforme do colégio privado para estudar no Liceu Rainha D. Amélia. Cresceu numa família numerosa e recorda a infância como “um tempo muito feliz”.

Da família herdou a fé. Todos os dias reza. “Não peço muitas coisas, agradeço mais, agradeço a família, a vida que tenho, peço ajuda para fazer melhor as coisas.” À missa vai uma vez por semana e os filhos sabem que “a coisa mais importante” ao domingo é ir à igreja. “É uma católica convicta, praticante. Não faz disso uma bandeira, mas também não o esconde. Mas não transporta a questão religiosa para o discurso político”, diz Duarte Bué Alves.

Aos 23 anos licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e ficou desses tempos a ligação a um grupo de voluntários que distribuía alimentação aos sem-abrigo. Um dos colegas de faculdade que fazia parte do grupo ligado à Igreja Católica recorda que de “15 em 15 dias, às quartas-feiras à noite, faziam a distribuição de alimentação aos sem-abrigo com a ideia de que é preciso meter as mãos na massa e transformar o mundo dentro das possibilidades de cada um”.

Dar banho aos filhos Foi nos tempos de estudante, aos 17 anos, que Assunção começou a namorar com Tiago Machado da Graça. Foram colegas na faculdade e casaram-se quando terminaram a licenciatura. Discreto, o jurista e militante do PSD é descrito por um amigo do casal como “o apoiante número 1” da carreira política de Assunção Cristas. “É um pilar fundamental para que ela possa fazer aquilo de que gosta”, acrescenta.

A ex-ministra não esconde que a ajuda do marido tem sido fundamental para compatibilizar uma família numerosa – quatro filhos entre os 14 e os dois anos – com a atividade política. Quando era ministra, os seus colaboradores sabiam que a partir das seis da tarde não se marcavam reuniões que pudessem durar muito tempo. “A organização da agenda dela era muitas vezes feita em função disso. Não se marcavam reuniões a certas horas. Sabíamos que tinha de voltar a partir das sete para dar banho às crianças e jantar”, revela um colaborador.

Antes de entrar na política, Cristas foi professora universitária e advogada. Trabalhou com Celeste Cardona no governo liderado por Durão Barroso, no Ministério da Justiça, e foi diretora do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça. Foi nesta altura, entre 2002 e 2005, que concluiu a tese de doutoramento em Direito Privado. Entre a advocacia, que lhe podia dar uma vida económica mais folgada, e a política, escolheu a segunda. “Na advocacia ganharia muito mais, mas não é essa a minha principal motivação”, garante.

A ascensão de Assunção Na política entrou pela porta grande e subiu depressa. Dois anos depois de entrar para o CDS foi vice-presidente do partido e cabeça de lista pelo distrito de Leiria. Quando chegou ao parlamento, Hélder Amaral já era deputado e conta que Cristas “arregaçou as mangas e mostrou logo espírito de liderança”.

Portas sempre lhe deu protagonismo e, a partir dessa altura, Assunção Cristas esteve sempre na primeira fila dos notáveis do partido. Quando o CDS voltou ao governo, foi a primeira escolha para o superministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território. A dimensão do ministério foi recebida com desconfiança, mas a seguir à crise de 2013, devido à demissão de Paulo Portas, ficou só com a Agricultura e o Mar. A ministra não gostou de perder poder, mas foi na agricultura que se destacou. João Machado, presidente da CAP, diz ao i que Cristas “cumpriu integralmente aquilo que se esperava dela. Foi uma boa ministra da Agricultura e os resultados apresentados, tanto a nível da execução do quadro comunitário como a nível do investimento e das exportações, provam isso mesmo”.

O deputado socialista Miguel Freitas tinha a missão de acompanhar a área da agricultura na oposição ao governo liderado por Passos Coelho. O socialista reconhece que Cristas “é uma política hábil, persistente nas causas que defende, e que foi sempre leal na negociação”. Mas aponta o dedo aos quatro anos em que esteve à frente da Agricultura por ter feito “uma gestão marcadamente virada para o seu eleitorado” e com “um certo populismo”.

Antes de ser a primeira mulher a chegar à liderança do CDS, Assunção Cristas já tinha sido a primeira mulher à frente do Ministério da Agricultura. Uma das primeiras medidas foi dispensar os funcionários do ministério de usar gravata para “minimizar o impacto ambiental associado ao consumo de energia elétrica na administração pública”. A ideia era contagiar os outros ministérios, mas não resultou. Um ano depois, Cristas voltou a ser protagonista de inúmeros comentários nas redes sociais por, num período em que a seca penalizava os agricultores, ter dito que tinha fé que chovesse em breve. “Este governo remete-nos para o divino, mas o problema é que os eleitores não votaram em São Pedro”, ironizou, na Assembleia da República, o deputado do PEV José Luís Ferreira.

No CDS ganhou a alcunha de Boss AC. Por ser disciplinada e por nunca ter escondido a ambição de liderar o partido. Ao contrário do que é habitual na política portuguesa, em que o jogo é feito nos bastidores, Assunção assumiu a vontade de chegar ao topo do partido mesmo antes de Paulo Portas se despedir. A capacidade de ouvir e de decidir, sem receio de arriscar, são os principais elogios que lhe fazem internamente. “Ela gosta de ouvir, mas é sempre firme nas decisões. Normalmente, os políticos têm medo de tomar decisões. Ela não. É como no futebol. Todos correm, mas depois há os que conseguem marcar golos e os que não conseguem”, diz o deputado Hélder Amaral. “É uma pessoa que nos oferece muita segurança”, acrescenta o ex-deputado Raul Almeida. Antes de avançar, Cristas ouviu a família e muita gente do CDS. “Disse-lhe que tinha mais apoios dentro do partido do que ela imaginava”, conta Hélder Amaral.

A candidata à liderança anda a dar a volta ao país em contactos com o aparelho do CDS. Quatro anos no governo deixaram o partido em segundo plano e é preciso reconstruir um CDS habituado a viver à sombra de Portas. “Ela veio cheia de vontade de pôr as coisas a andar e nós estamos cá para a ajudar”, diz o presidente da distrital de Santarém, José Vasco Matafome. O congresso é em Gondomar, nos dias 12 e 13 de março, e o CDS deverá eleger, pela primeira vez ao fim de 41 anos, uma mulher para a liderança, depois de seis líderes homens.