Nem sempre mi casa es su casa. Há casos onde a password de acesso à wi-fi não se encontra plastificada na mesa da sala de estar, outros em que a casa de banho requer um pedido da chave-mestra e ainda alguns onde, embora sejamos visitas frequentes, nunca sabemos qual é a porta certa para desencantar os copos…malditos tupperwares que querem sempre saltar armário fora. Não exageremos. Se acha que “Estar em Casa” é literal vá com calma, talvez não seja boa ideia ir de pantufas e pijama para o São Luiz Teatro Municipal, onde o conceito erguido por André e. Teodósio e Anabela Mota Ribeiro toma lugar.
Projeto que se iniciou com uma proposta de Mota Ribeiro à diretora do São Luiz, Aida Tavares. Estávamos algures no início de 2015. “Não me lembro exatamente do dia ou sequer do mês, mas a ideia sempre foi o de ocupar o teatro como se fosse uma casa e declinar este tema sob diferentes expressões artísticas. Fazendo muito ali também as coisas que se fazem casa, seja conversar, ouvir música, estar com amigos, todas essas coisas que todos fazemos”, conta antes de explicar que apesar de ter sido de si que veio a ideia este “Estar em Casa” é totalmente a dois. O input Teodósio foi essencial para se criar o conceito do que é estar em casa, para agarrar um mar de artistas e convidá-los para serem, estes também, anfitriões. “Convidámos as pessoas perguntando-lhes se queriam ser nossos cúmplices, a maior parte das pessoas são amigos, pessoas que conhecemos e admiramos, pessoas com quem gostaríamos de estabelecer esta relação de cumplicidade. E depois pensámos em trazer pessoas que não são tão conhecidas do grande público, isto foi uma ideia capital. Não queríamos fazer deste evento uma coisa super popular ainda que muitas das pessoas sejam bastante conhecidas”, sintetiza Anabela Mota Ribeiro.
Tirar a manta dos joelhos Não vá o diabo tecê-las e um pardal atrevido roubar-nos o pão que tínhamos guardado para torrar ao pequeno-almoço. Não só por isso, também pela condição, que sempre existe, de um ou outro desconforto que a casa nos consegue provocar. “Quisemos que isto não fosse uma simples confirmação daquilo que é o percurso banal de uma casa. Como uma corrente de ar que entra por uma janela e revolve o ar, deixa as coisas fora do sítio, queríamos também que as pessoas pudessem encontrar esse lugar de inquietação e de desassossego que as faz interrogar as coisas de uma outra maneira, mas que não fosse uma pura confirmação, manta nos joelhos, do que é estar em casa”, reflete a comissária.
Ou seja, é quase uma vontade enorme de estar em casa mas fora da nossa, outra casa, qual jantar de amigos, casa que nos possa ser apresentada sem o típico hall-corredor-cozinha-quarto-escritório, casa de todos por um fim-de-semana. Lar vago, que se quer sem paredes. “Sinto-me muito bem no São Luiz, é um teatro ao qual vou várias vezes, é muito bonito. Não gostava que fosse a minha casa, a ideia de casa, para mim, é muito mais uma ideia do que um espaço físico. Não é tão indispensável a geografia onde me encontro, é mais importante uma ideia que me faz sentir bem”.
Uma casa com nova decoração “Estar em Casa” foi idealizado, à primeira, para acontecer em junho, “mês em que já há calor, em que não há aquela reclusão do inverno”, confessa Anabela Mota Ribeiro o seu fraquinho pelo mês seis. A falta de disponibilidade do teatro – com programação já definida – ditou que a bola rodasse para janeiro, “Mês em que, por norma, não acontece nada”, afirma Mota Ribeiro a anteceder uma gargalhada não fosse esta consideração uma brincadeira.
A lógica dos anfitriões foi subverter essa condição, quase como se uma caseira se sentasse na ponta da mesa, servida pelo patrão engravatado, acabado de chegar do escritório. “Tentámos fazer com que as figuras mais conhecidas fizessem coisas que não estão habituadas. Por exemplo, convidámos a Gisela João para fazer uma visita guiada ao teatro, não a cantar. Pedimos à Catarina Sobral e ao João Fazenda para desenharem com crianças, sim, eles desenham mas não com crianças habitualmente”, diz Anabela explicitando alguns exemplos da programação distintas, das tarefas domésticas, digamos assim.
O Teatro Praga, por sua vez, apresenta “Terceira Idade”, peça com texto de José Maria Vieira Mendes onde os atores, mesmo antes de iniciaram a sua carreira supostamente longa e trinfal, já estão reformados. Mónica Calle traz “Rua de Sentido Único”, no Camarim do Jardim de Inverno, onde se encontra um quarto, uma cama e um encontro entre três desconhecidos. Sérgio Godinho preparou “Pequenos Delírios Domésticos” propositadamente para “Estar em Casa”. Espetáculo onde vai subir a palco com Filipe Raposo, num palco que tão bem conhece, onde tocou dois dias após o 25 de Abril.
O entusiasmo em torno deste lar quase pede que recuemos, que afinal estejemos no Natal, que a consoada possa ser feita sem bacalhau uma vez na vida. Anabela Mota Ribeiro não consegue responder, para já, se vai existir um futuro, se vai ser possível “Estar em Casa” noutro lugar. “Tenho recebido várias mensagens a dizer ‘Mas vocês não querem trazer isso ao Porto?’. É uma ideia muito apetecível, é preciso ver como é que isto corre, são muitas pessoas envolvidas, não é fácil deslocar isto para outro lado. Não quer dizer que não possa ser declinado ou replicado num outro ano, vamos ver”. Este fim-de-semana a desculpa “até te convidava para vires cá jantar mas tenho cá os meus sogros” não cola. São Luiz com eles. Com todos.