Andam a brincar com o fogo


Na banca e na política fazem-se jogos perigosos que podem acabar muito mal e criar crises catastróficas


1.º Comecemos pela banca. Há quem tenha defendido de forma aberta ou encapotada que na solução Banif (toda ela má desde o início da intervenção estatal) se deveria ter roubado (o termo correto é esse) parte das poupanças de quem tivesse mais de 100 mil euros naquele banco em depósitos à ordem ou a prazo. Claro que esses depositantes viriam a seguir a acionistas e detentores de outro tipo de obrigações e títulos. O enquadramento legal já existe. Com muita pena dos grandes especuladores, a decisão não foi por aí. O governo Costa e/ou o Banco de Portugal (tanto faz para o efeito) optaram por distribuir o mal pelos contribuintes e aplicações de risco. Claro que a solução é péssima, sendo sobretudo grave que novamente ninguém tenha sido preso ou criminalizado por causa da falência do Banif, seja ao nível da gestão, da supervisão ou da governação. Mesmo assim, os termos da resolução foram um mal menor, porque uma decisão de envolver os simples depósitos à ordem ou a prazo teria tido um devastador efeito de dominó numa banca já muito doente.

É sabido que os bancos só têm em depósito uma quantidade ínfima do dinheiro que consta dos balanços e outras contas, que são verdadeiras fantochadas. Entre imparidades, maus negócios, crédito malparado, subavaliações, roubos, desvios, pagamentos de pensões, comissões a gestores duvidosos, especulações para safar bancos de países lusófonos e proporcionar lavagens de dinheiro mafiosas, a banca recebeu para se salvar milhares de milhões. Mais do que os 78 mil milhões que a troika emprestou ao país, o que diz tudo. Dir-se-á que o negócio bancário há muito que não é guardar o dinheiro das pessoas e fazer uns empréstimos com garantias. Antes fosse. Porque enquanto assim foi, os bancos eram entidades fiáveis. Ser banqueiro era ser pessoa de bem. Agora, é o que se vê…E a esta desgraça associa-se um regulador incapaz de dizer em que bancos se pode confiar ou não. Afinal, serve para quê?

É tão legítima a opção de guardar o dinheiro no banco como a de comprar uma casa, um terreno, ouro, ou até gastá-lo. Mas uma coisa é certa: quando forem às contas de depositantes, seguir-se-á um tsunami devastador e uma crise social sem precedentes, gerando falências instantâneas de bancos já debilitados. Não admira que o dinheiro saia do país e que se vendam cada vez mais cofres. Não será de estranhar que, a seguir, se comecem a vender pistolas para os defender ou para tratar da saúde a quem provocar um cataclismo bancário.

2.º Passemos para a política. Com a eleição de Marcelo já no domingo ou em fevereiro, as atenções vão voltar-se novamente para António Costa, que tem a prova de fogo de fazer passar o Orçamento. Com maior ou menos dificuldade, é natural que obtenha o beneplácito da esquerda na generalidade. Já na especialidade haverá, como sempre, acordos com todas as partes, consoante os interesses de cada um.

António Costa vai ter de decidir se mantém a via económica atual, que inevitavelmente leva o país a nova bancarrota. As cedências que tem feito para sobreviver já não são suportáveis orçamentalmente. Só retardar a descida do défice vai custar 11 mil milhões a mais, havendo pressões europeias para cumprir 2,7% este ano, o que significaria mais e não menos austeridade. Apesar de um clima internacional complexo e sombrio e do aumento da despesa interna, não se percebe como é que não se prevê um crescimento económico consistente quando a descida do preço do petróleo tem um impacto previsto de 2% no crescimento do PIB. A continuar assim, Costa vai bater no muro mais depressa do que pensava e do que os portugueses patrioticamente desejam. Sendo um político hábil e inteligente, o líder do PS parece estar a dar linha aos seus parceiros, como o fazem alguns pescadores, para de repente dar ao carreto e puxar. Só isso justifica tanta cedência perante exigências sindicais, partidárias e corporativas. Simultaneamente verifica-se um desnorte face ao exterior e um desleixo governativo relativamente às situações concretas das pessoas resultantes da paralisação da Segurança Social, do abandono de doentes na saúde e de uma gestão caótica de tudo o que mexe com os cidadãos em concreto. Cede-se a grupos, esquecem-se as pessoas!

Como António Costa pode ser tudo menos um político imaturo ou incompetente, não é de excluir que, logo que seja possível do ponto de vista constitucional, a sua opção seja forçar uma crise e eleições legislativas, enquanto se sentirem os efeitos de alguma folga financeira resultante das atuais reposições. Se a estratégia for essa, menos mal. Mas se o rumo permanente for o atual, vamos ter outra grave rutura e Costa será arredado. Politicamente, de nada lhe valeria o proclamado apoio de um novo Presidente que queira evitar crises. Atento a tudo isto, Passos Coelho já decidiu aumentar o seu protagonismo. E ele não dá ponto sem nó…

Jornalista

Andam a brincar com o fogo


Na banca e na política fazem-se jogos perigosos que podem acabar muito mal e criar crises catastróficas


1.º Comecemos pela banca. Há quem tenha defendido de forma aberta ou encapotada que na solução Banif (toda ela má desde o início da intervenção estatal) se deveria ter roubado (o termo correto é esse) parte das poupanças de quem tivesse mais de 100 mil euros naquele banco em depósitos à ordem ou a prazo. Claro que esses depositantes viriam a seguir a acionistas e detentores de outro tipo de obrigações e títulos. O enquadramento legal já existe. Com muita pena dos grandes especuladores, a decisão não foi por aí. O governo Costa e/ou o Banco de Portugal (tanto faz para o efeito) optaram por distribuir o mal pelos contribuintes e aplicações de risco. Claro que a solução é péssima, sendo sobretudo grave que novamente ninguém tenha sido preso ou criminalizado por causa da falência do Banif, seja ao nível da gestão, da supervisão ou da governação. Mesmo assim, os termos da resolução foram um mal menor, porque uma decisão de envolver os simples depósitos à ordem ou a prazo teria tido um devastador efeito de dominó numa banca já muito doente.

É sabido que os bancos só têm em depósito uma quantidade ínfima do dinheiro que consta dos balanços e outras contas, que são verdadeiras fantochadas. Entre imparidades, maus negócios, crédito malparado, subavaliações, roubos, desvios, pagamentos de pensões, comissões a gestores duvidosos, especulações para safar bancos de países lusófonos e proporcionar lavagens de dinheiro mafiosas, a banca recebeu para se salvar milhares de milhões. Mais do que os 78 mil milhões que a troika emprestou ao país, o que diz tudo. Dir-se-á que o negócio bancário há muito que não é guardar o dinheiro das pessoas e fazer uns empréstimos com garantias. Antes fosse. Porque enquanto assim foi, os bancos eram entidades fiáveis. Ser banqueiro era ser pessoa de bem. Agora, é o que se vê…E a esta desgraça associa-se um regulador incapaz de dizer em que bancos se pode confiar ou não. Afinal, serve para quê?

É tão legítima a opção de guardar o dinheiro no banco como a de comprar uma casa, um terreno, ouro, ou até gastá-lo. Mas uma coisa é certa: quando forem às contas de depositantes, seguir-se-á um tsunami devastador e uma crise social sem precedentes, gerando falências instantâneas de bancos já debilitados. Não admira que o dinheiro saia do país e que se vendam cada vez mais cofres. Não será de estranhar que, a seguir, se comecem a vender pistolas para os defender ou para tratar da saúde a quem provocar um cataclismo bancário.

2.º Passemos para a política. Com a eleição de Marcelo já no domingo ou em fevereiro, as atenções vão voltar-se novamente para António Costa, que tem a prova de fogo de fazer passar o Orçamento. Com maior ou menos dificuldade, é natural que obtenha o beneplácito da esquerda na generalidade. Já na especialidade haverá, como sempre, acordos com todas as partes, consoante os interesses de cada um.

António Costa vai ter de decidir se mantém a via económica atual, que inevitavelmente leva o país a nova bancarrota. As cedências que tem feito para sobreviver já não são suportáveis orçamentalmente. Só retardar a descida do défice vai custar 11 mil milhões a mais, havendo pressões europeias para cumprir 2,7% este ano, o que significaria mais e não menos austeridade. Apesar de um clima internacional complexo e sombrio e do aumento da despesa interna, não se percebe como é que não se prevê um crescimento económico consistente quando a descida do preço do petróleo tem um impacto previsto de 2% no crescimento do PIB. A continuar assim, Costa vai bater no muro mais depressa do que pensava e do que os portugueses patrioticamente desejam. Sendo um político hábil e inteligente, o líder do PS parece estar a dar linha aos seus parceiros, como o fazem alguns pescadores, para de repente dar ao carreto e puxar. Só isso justifica tanta cedência perante exigências sindicais, partidárias e corporativas. Simultaneamente verifica-se um desnorte face ao exterior e um desleixo governativo relativamente às situações concretas das pessoas resultantes da paralisação da Segurança Social, do abandono de doentes na saúde e de uma gestão caótica de tudo o que mexe com os cidadãos em concreto. Cede-se a grupos, esquecem-se as pessoas!

Como António Costa pode ser tudo menos um político imaturo ou incompetente, não é de excluir que, logo que seja possível do ponto de vista constitucional, a sua opção seja forçar uma crise e eleições legislativas, enquanto se sentirem os efeitos de alguma folga financeira resultante das atuais reposições. Se a estratégia for essa, menos mal. Mas se o rumo permanente for o atual, vamos ter outra grave rutura e Costa será arredado. Politicamente, de nada lhe valeria o proclamado apoio de um novo Presidente que queira evitar crises. Atento a tudo isto, Passos Coelho já decidiu aumentar o seu protagonismo. E ele não dá ponto sem nó…

Jornalista