“30 segundos a contar. 20 segundos a contar. Sequência de ignição começa…6, 5, 4, 3, 2, 1, 0… todos os motores a trabalhar. Temos descolagem. O ‘Rocket’ descolou”. Ronnie O’Sullivan descolou para a nossa Terra, que é Wordsley, Inglaterra, em 1975. Por cá faziam-se revoluções de Abril, ao mesmo tempo que em terras inglesas nascia uma lenda do snooker, que iria prometer não só revolucionar a modalidade, como tornar-se um génio atormentado pela própria sombra. E ambbidestro, algo que muitos jogadores consideravam, ao princípio, uma brincadeira de mau gosto quando trocava o taco de mão.
Esta semana o inglês conquistou o seu sexto Masters, ao derrotar Barry Hawkins, por 10-1, na final disputada em Londres. “Estou nas nuvens, estou surpreendido por ter vencido logo quando regressei”, disse O’Sullivan que não competia desde o Mundial há oito meses. Filho de presidiários, pediu ajuda às drogas e recebeu depressões de volta. Desceu aos infernos e volta agora aos céus, sempre de laço e smoking_(e por vezes descalço). Sempre com a família. E sempre sozinho numa sala escura de snooker, a jogar rápido, compulsivamente, sem parar, à espera da hora para ir correr. Outro prazer que descobriu há cerca de dez anos.
Ver a estreia de Ronnie O’Sullivan na televisão, com os seus 14 anos é desconcertante. Venceu_Steve_Ventham no Thames Snooker Classic, um dos torneios onde “mais queria participar”. Assim que meteu a bola preta, o seu pai, animado e energético, e “o maior fã”, saltou da bancada para o ir felicitar com um beijo na boca. “Quando se joga bem, joga-se rápido e pensa-se rápido e as bolas entram mais depressa. Nervosismo por aparecer na televisão?_Não”. Calmo, atento, o miúdo moreno ao lado do seu maior herói, pouco confiante, estava no caminho certo, com sucessivas vitórias em torneios amadores, a fazer bom dinheiro, rumo a uma carreira brilhante. Sempre com a figura maior à perna, a discipliná-lo para ser o melhor, e “sem nunca lhe dar um elogio”, como disse na sua segunda autobiografia “Running” (2013).
Até chegarmos a 1992: o ano em que o pai foi preso, um homem das lojas de pornografia, por ter morto ouro homem numa rixa de um pub. Um soco no estômago para um jovem de 17 anos, e um atleta – já profissional que tinha ganho 74 de 76 jogos, tornando-se o vencedor mais novo do ranking ao bater Stephen_Hendry por 10-6 na final do Championship em Inglaterra._Visitou o pai pouco tempo depois para lhe mostrar a conquista. E o que é recebeu de volta? “Ganhaste um troféu, é história, põe isso para trás das costas, e agora vai ganhar o próximo”. Assim se fazia uma relação inquebrável.
Dois anos depois seria a sua mãe a ser presa, por fuga aos impostos, ficando Ronnie e a sua irmã mais nova, Danielle, entregues ao destino. Mas o snooker não o deixou cair._Porquê? “Foi uma grande motivação para mim, eu e o meu snooker, senti que a sentença estava a passar ao lado do meu pai”. Os laços com a família estiveram sempre no limbo, mas havia uma certeza: “não posso viver com eles, não posso viver sem eles”, descreve na sua autobiografia._Foi um ano e sete meses longe da mãe, 18 anos longe do pai, longe “daquele lar”, onde se comia pasta italiana em Essex.
Mas o snooker falou mais alto. Em 1995 ganhou o seu primeiro Master, e dois anos depois, no World_Championship limpou a mesa em 5 minutos e 20, o recorde mais rápido da história, e que muitos defendem que nunca mais será quebrado. Talvez Barry Hearn, o homem que revolucionou a modalidade, mudando os rankings e incluindo quase o triplo de torneios por ano, tenha a melhor descrição de Ronnie, para que o leitor perceba este génio. “Às vezes ele não tem a confiança suficiente, precisa de um braço à sua volta. Ele é um jogador natural. Nasceu para jogar. A sua maior fraqueza é ele próprio”, disse num documentário do canal britânico ITV4.
Infelizmente não há espaço para contar os 40 anos de O’Sullivan, por isso avancemos até 2001, o ano em que venceu o seu primeiro World Championship, somando, oito anos depois, mais dois, cinco vitórias no_Reino Unido e quatro Masters (e continua a somar vitórias até hoje). Entre 2012 e 2013 regressou e venceu nos “12 meses mais loucos da sua vida”. “Quando tive o meu filho nos braços no_Crucible Theatre não quis saber do troféu para nada, foi uma bênção”. Em 2014 mais um recorde: o seu 12.º 147 no torneio de Welsh. Este ano chocou novamente o mundo: aos 40 anos chegou às 800 tacadas acima dos 100 pontos frente a Barry Hawkins no Championship League, em Inglaterra. Tornou-se mais conservador nas jogadas, mas todos sabemos a excitação que é vê-lo numa mesa de bilhar. Que digam os seus milhares de fãs pelo mundo inteiro (e nos torneios a assistir).
Mas foi também nesses anos (desde 2000) que o inglês passou a odiar o desporto – exilando-se durante largos períodos, perdendo jogos e falhando bolas inacreditáveis -, entregando-se às drogas e à “depressão de snooker”. Vagueando pelos Alcoólicos Anónimos, e entrando numa batalha legal contra a sua ex-mulher Jo pela custódia dos seus filhos, em 2008, (tem três actualmente, Taylor, Lilly e Litle_Ronnie) que quase o destruiu por completo. A razão é simples: “nunca fui feito para conflitos”, disse. Ficou obcecado pela corrida. E neste triângulo família-snooker-corrida, Ronnie, no meio dos altos e baixos, tem uma certeza: “Espero que as minhas cinzas sejam largadas na floresta”, disse no documentário britânico.
Depois da libertação do pai em 2009 foram os dois correr. Então e o snooker? “O snooker é a minha religião”. E Ronnie, claro, tem os seus discípulos.