Caroline Richards não é realizadora, é fã – ou devemos dizer fanática? – de Parkinsons. Ou por outra: não o é, mas foi – este é o seu primeiro e, provavelmente, único filme -, de outra forma ninguém conseguiria ver “The Parkinsons: A Long Way To Nowhere”, documentário que conta a história do tumulto punk que revolucionou a cena musical londrina a partir de 2001. Afonso Pinto, Victor Torpedo, Pedro Chau e, na época, o inglês Chris Low na bateria. O título do filme foi roubado ao seu primeiro disco, que contou com produção de Jim Reid, dos Jesus and Mary Chain. Tudo o que foram os Parkinsons descobre-se nas próximas linhas. Aconselhamos prudência.
Quando surgiu a ideia para este filme?
Já o queria ter feito há dez anos, quando os Parkinsons surgiram, mas não era a melhor altura. Não quis desistir, há três anos recuperei a proposta e eles mostraram-se entusiasmados, quiseram logo fazê-lo. Nessa altura começámos a gravar as entrevistas, depois precisei dos tais três anos para o terminar.
Recorda-se da primeira vez que viu os Parkinsons?
Perfeitamente, foi em Setembro de 2001. Foi incrível, nunca tinha visto uma banda assim na vida, nem ao vivo nem na televisão, de forma nenhuma. O concerto foi tão chocante, a atmosfera com o público era diferente, dava a sensação que se fazia parte do espetáculo, não estávamos ali para bater palmas e para servir de coro. Foi insano, havia pessoas a subir ao palco e a saltar… no final do concerto, o Afonso, que passava o tempo no público, apareceu com uma mancha de sangue terrível na cara. Fiquei a achar que era encenado, mas não, tinha-se mesmo cortado.
Uma espécie de filme de terror, portanto.
Nada disso, pelo contrário, pareceu orgânico, nada malicioso. Aí percebi que eram pessoas que não queriam saber de regras. Não havia a banda e o público, era uma só coisa, não sei bem o quê.
Nesse dia ocorreu-lhe fazer o filme?
Acho que não. E o mais triste é que esse concerto não foi gravado e foi um dos mais loucos da sua história. Mas admito que pouco depois disso comprei uma câmara de filmar. Tinha muito medo de a levar para os concertos dos Parkinsons, existia o sério risco de voar pelo público. Sei de bares e clubes que queriam ter os Parkinsons todas as semanas porque faziam muito dinheiro em bebida: havia quem comprasse as cervejas e perdesse metade da caneca em brindes.
É pouco usual ver uma banda portuguesa a atingir esse estatuto numa cidade como Londres…
A cena musical londrina nos anos 90 era incrível. Blur, Pulp, tínhamos inúmeras bandas a tocar ao mesmo tempo, coisa que viria a morrer aos poucos. Estas bandas tornaram-se demasiado grandes para dar pequenos concertos. Ou seja, o cenário ficou aborrecido, não se passava grande coisa. Subitamente, surgem os Parkinsons. Fazia talvez uns quatro ou cinco anos que não víamos uma banda com energia, que não estivesse no palco a debitar música… “De onde é que vieram estes tipos?”
Foi uma coisa que agitou a cidade, é isso?
Sem dúvida. Houve uma série de bandas que apareceram a tentar ser como os Parkinsons, mas sem conseguir efetivamente. Pensemos nos Libertines, por exemplo: vi-os em muitos concertos dos Parkinsons e eles já admitiram que foram profundamente influenciados, viveram aquela energia como gente normal. Os Parkinsons abriram as portas para bandas como os Libertines. Outra coisa que fez com que ficassem famosos foi o facto de, invariavelmente, no final de cada concerto, virem beber copos e falar com os fãs, eram simpáticos.
Bem, são portugueses, é normal…
[risos] Bem… sim, concordo. Lembro-me de ver o jogo Portugal x Inglaterra, para o Euro 2004, num pub português com os Parkinsons, e queríamos que Portugal ganhasse porque adorávamos os Parkinsons. Bem, claro que apoiámos o nosso país, mas também ficámos contentes com a vitória de Portugal.
O que tinham os Parkinsons para serem uma banda boa de filmar?
A química entre eles é perfeita. O Afonso é claramente o mais carismático e até um pouco assustador, no bom sentido. O Victor era carismático, mais sorridente, mais extrovertido. Depois, o Pedro era o calmo, o fixe, e ficava muito bem nas filmagens. Eles pareciam maus, mas era só uma capa, eram rapazes muito generosos e simpáticos. Quando estava a filmar era difícil captar todos os momentos, pois acontecia tudo ao mesmo tempo: o Afonso de um lado do palco a fazer uma loucura qualquer, olhava para outro lado e estava o Victor a fazer algo do género. Não se consegue estar em dois sítios ao mesmo tempo.
Como é que se remedeia essa situação?
Não há forma. Já fiz outros documentários de música enquanto editora de vídeo e, se pensarmos, num concerto há quatro ou cinco bons momentos em imagem. Com os Parkinsons aconteciam quatro momentos só numa música. Desse ponto de vista, o trabalho foi facilitado. E convém dizer que não fui a única a filmá-los, outras pessoas também o fizeram, foi uma sorte para mim. Nenhuma banda, sobretudo naquela altura, tinha os seus concertos todos filmados, como eles tiveram logo desde o segundo concerto que deram.
O que podemos ver no documentário apela apenas ao sucesso desses primeiros anos?
Conta a história toda, desde a infância em Coimbra até agora. Mas foca sobretudo o período 2001-2003 quando eram mais populares. A sua história, o que os fez querer vir para Londres, como foi a sua vida cá, acho que merece ser visto.
Quanto tempo levou a sua pesquisa? Foi difícil obter o material?
Algumas coisas foram difíceis de obter, apesar de conhecer quase todas as pessoas que os filmaram. Houve um episódio particularmente complexo. Tinha visto uma cassete de um rapaz, em 2002, e andei atrás dele bastante tempo, até que em Agosto decidi escrever-lhe: “Se não conseguires encontrar a gravação, depois vai ser tarde demais.” Felizmente, resultou e ele enviou-ma. Trabalhei nisto ao longo de dez anos, apesar de há dez anos não saber que queria fazer um filme. A verdade é que, conscientemente, fui guardando todas as gravações e assim.
Já participou noutros documentários, mas este é o seu primeiro filme enquanto realizadora…
O primeiro e, provavelmente, o único.
Porquê?
Não sei, tenho sido feliz a editar vídeo, é uma profissão que me deixa satisfeita. Este filme é uma exceção, criei uma relação especial com eles. Estive tantos anos para fazer isto… e fi-lo por eles, para mostrar às pessoas o quão incríveis eles eram. Se procurares no YouTube, tens poucos registos gravados – eu tenho mais de 100 horas de filme. Penso que lhes deram pouco reconhecimento em Portugal, tiveram mais sucesso em Londres. Espero que este filme possa mudar essa realidade.