Era o gentleman do PS, que trazia gravitas a qualquer ato político e raramente faltava àqueles para que era convocado. Não é fundador do PS, ao contrário do que a idade e o prestígio no partido podem fazer supor. Quando o grupo liderado por Mário Soares constituiu o PS, na antiga República Federal da Alemanha, Almeida Santos vivia em Moçambique, onde era advogado de sucesso. Marcelo Rebelo de Sousa recordou ontem as relações familiares de Almeida Santos com o pai, Baltasar Rebelo de Sousa, então governador de Moçambique indicado por Salazar.
Almeida Santos era, em Moçambique, uma figura contra o regime que tinha sido por duas vezes candidata nas listas da oposição democrática. Fazia parte de um grupo chamado “Os democratas de Moçambique”. O ex-presidente de Moçambique Joaquim Chissano recordou ontem o papel de Almeida Santos “nos últimos anos do colonialismo destas terras”. Santos, como disse Chissano, “escolheu ser português”.
Almeida Santos só se filia no PS já depois de ter sido ministro várias vezes, como cidadão independente. A adesão ao PS só se formaliza dois anos e meio depois do 25 de Abril, no ii Congresso do PS, realizado no Pavilhão dos Desportos, em Lisboa, a 1 de Outubro de 1976. Nessa altura já era ministro da Justiça do i Governo Constitucional, chefiado por Mário Soares, de quem se tornará grande amigo.
Antes de se tornar militante socialista, Almeida Santos já tinha sido ministro da Coordenação Interterritorial no i, ii, iii e iv governos provisórios e depois ministro da Comunicação Social no vi Governo Provisório. O papel de “ministro das colónias” dos governos pós-revolução fê-lo carregar com as “culpas” por boa parte dos traumas da descolonização – culpas que sempre partilhou com Mário Soares.
Quando em 2006 apresentou o seu livro “Quase Memórias – Do Colonialismo e da Descolonização”, Almeida Santos respondeu às críticas que duram há décadas: “Eu e Mário Soares fomos tão vilipendiados sem razão que esperar 30 anos para apresentar este livro é sinal de respeito por algumas instituições e pessoas. A História serve-se fria e nem sempre quando esfria cheira bem.”
De quem foi então a culpa do processo de descolonização? Resposta de Almeida Santos: “A culpa é mais partilhada e mais coletiva do que pensamos. Tiveram culpa aqueles que bateram palmas antes do 25 de Abril de 1974, mas também os que gritaram ‘nem mais um soldado para as colónias’ depois do 25 de Abril e todos aqueles que cederam à tentação da indisciplina.”
Foi o grande legislador da República e tinha plena consciência disso: “Fiz dezenas de leis no próprio Conselho de Ministros, eram aprovadas logo ali e publicadas. Posso ter a vaidade de ter sido eu um dos principais artífices. Trazia de Moçambique uma linguagem jurídica e pediram-me para fazer as leis. Dificilmente terá havido um legislador que tenha feito tantas leis e tão rapidamente”, disse em 2014.
Foi quase tudo na política – mas faltou o quase. Ocupou o segundo cargo da hierarquia do Estado, presidente da Assembleia da República, mas não conseguiu ser eleito para aquele de que mais gostaria: o cargo de primeiro-ministro. Confessou numa entrevista ao i em 2014 que tinha pena de não ter ocupado “o único lugar a que concorri sem ter sido eleito.
O de primeiro-ministro”. Estávamos em 1985, depois da austeridade imposta pelo bloco central e com Mário Soares ainda secretário-geral do PS, a preparar-se para ser candidato a Presidente da República. O país estava forrado de cartazes com o rosto de Almeida Santos a pedir “43% para governar” [a maioria absoluta], mas o PS não passou dos 22%. Almeida Santos explica a derrota: “A divisão do eleitorado em dois partidos concorrentes – o próprio PS e o PRD, da iniciativa do então Presidente da República Ramalho Eanes, fez com que os presumíveis 40% de votos do PS ficassem divididos pelo PRD – 18% e o PS – 22%. E lá se foi a vitória nas eleições.”
Natural de Seia, Almeida Santos estuda em Coimbra, um período que virá a marcar a sua vida – dedica-se, além do estudo do Direito, ao fado e à guitarra de Coimbra. Cantar o fado era um dos seus grandes hobbies.
Era maçon, mas não excessivamente praticante. Terá sido iniciado em Moçambique. Mas foi sempre “irmão”, pai político de muitos, padrinho de outros tantos e, para quase todos, um cavalheiro à moda antiga.