Já é difícil encontrar alguém que simplesmente se sente no sofá a ver televisão. Normalmente tem na mão o telemóvel a piscar com notificações do whatsapp, o computador ligado na mesa ao lado para não perder nenhum email, não escapando ainda ao ruído de fundo do jogo de guerra que os mais novos têm aberto no tablet. É unânime reconhecer as vantagens de um mundo tecnológico – aproxima quem está longe, permite um maior acesso à informação e simplifica tarefas – mas é inevitável também repensar a forma como, aos poucos, afetou a forma de lidar com o quotidiano.
As inúmeras possibilidades que as tecnologias oferecem fazem com que o nosso cérebro se tenha que adaptar a uma realidade em que as tarefas são múltiplas e, quase sempre, em simultâneo. Mas estará o nosso cérebro preparado para responder às múltiplas tarefas que as novas tecnologias exigem? “O cérebro, tal como qualquer sistema de processamento de informação, é um dispositivo com capacidades limitadas”, refere Facundo Manes, neurocientista e criador do Instituto de Neurologia Cognitiva (INECO). Num artigo publicado no “El Pais”, o especialista lembra que a chamada “memória de trabalho” – o espaço mental no qual retemos a informação até fazer algo com ela – tem uma capacidade limitada e nos seres humanos é extremamente suscetível a interferências. “Quando se tenta levar a cabo duas tarefas exigentes em simultâneo, as informações acabam cruzadas e com erros”, acrescenta.
Daí que cada vez mais estudos venham provar que o multitasking, ou a capacidade de realizar várias tarefas ao mesmo tempo, não traz tantas vantagens como as que inicialmente se pensava. Numa investigação feita na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), mostraram cartões com símbolos a um grupo de estudantes, aos quais foi pedido que fizessem previsões com base em padrões anteriormente reconhecidos. Metade do grupo respondia num ambiente de multitarefas, ou seja, enquanto ouviam sons mais altos e mais baixos e em que tinham que assinalar os acústicos mais elevados. Surpreendentemente, os dois grupos foram igualmente competentes.
A diferença começou a notar-se quando foram feitas perguntas mais abstratas sobre esses padrões, às quais o grupo que respondeu num ambiente com estímulos teve mais dificuldade. “Quando estamos a ver um filme em casa e, ao mesmo tempo, mandamos emails ou sms, acreditamos que podemos seguir em profundidade os diálogos da televisão, mas a maioria das vezes isso não passa de uma ilusão”, continua Manes, “o multitasking tem um custo cognitivo”.
Segundo os especialistas, o ser humano veio a desenvolver uma “intolerância à solidão”, ou seja, perderam a capacidade de estar sozinhos e têm uma necessidade constante de estar entretidos. Segundo a socióloga Sherry Turkle, do MIT, esta necessidade de estar sempre a fazer algo, faz com que o ser humano dê mais atenção ao virtual do que ao real. Para a investigadora, “a tecnologia, que nos oferece a possibilidade de nunca estarmos aborrecidos, pode, por outro lado, tornar-nos menos tolerantes e com dificuldade em estabelecer relações duradouras”.
Multitasking perigoso Está provado que a má gestão da capacidade de atenção gera ansiedade e stresse. Apesar destas serem já consequências graves, no limite, a falta de foco pode levar a riscos fatais. Um estudo da Universidade de Utah revela que a hipótese de se dar um acidente de automóvel é duas vezes mais alta para aqueles que falam ao telemóvel ou mandam mensagens de texto enquanto conduzem, do que para os condutores com taxas de alcoolemia elevadas. Os investigadores David Strayer e Jason Watson concluíram que o uso de telemóvel ao volante leva a reações mais lentas, a um menor respeito pela faixa de rodagem, menor distância de segurança e maior probabilidade de passar sinais vermelhos.
Os condutores que insistem no uso de telemóvel ao volante detetam menos de metade dos detalhes e situações com as quais se deparam, o que produz uma “cegueira atencional”. Esta distração mantém-se mesmo nos casos em que os condutores optam pelos sistemas de mãos livres.
Outros estudos sobre a mesma temática realizados anteriormente falam de outro tipo de cegueira, a parcial. Para isso, foram utilizados mecanismos de estudo ocular, que revelaram uma espécie de cegueira a estímulos importantes nos condutores que falavam ao telemóvel. Por exemplo, só conseguiam detetar metade dos estímulos que apareciam quando já estavam demasiado próximos e tinham um tempo de reação mais lento às luzes de travagem do carro que seguia em frente.