André Courréges. Muito mais do que o pai da minissaia

André Courréges. Muito mais do que o pai da minissaia


Foi um visionário da moda mundial, responsável por uma nova forma de ver a mulher e o seu corpo. Morreu em casa, em Neuilly-sur-Seine, com 92 anos, depois de três décadas de luta contra a doença de Parkinson.


Se a minissaia teve em Mary Quant uma mãe, foi André Courrèges o seu pai. Os dois, aliás, sempre disputaram os créditos desta criação. André Courrèges foi um criador que nasceu antes do seu tempo. Quebrou barreiras de um certo convencionalismo que advinha dos anos 50 e lançou uma estética futurista, que acabou por tomar conta dos guarda-roupas das mulheres e de lá nunca mais sair. “Um designer revolucionário. Ao utilizar novos materiais e formas geométricas, André Courrèges deixou uma marca no mundo da moda de autor”, escreveu o presidente francês François Hollande, no Twitter, a propósito da morte do designer.

André Courrèges morreu na sua casa, em Neuilly-sur-Seine, ao final do dia 7, com 92 anos, depois de ter passado os últimos trinta anos a lutar contra a doença de Parkinson. Esta doença, aliás, obrigou-o a parar de trabalhar em moda na década de 90, tendo passado os últimos anos dedicado à pintura e à escultura. Já a direção criativa da casa Courrèges estava, actualmente, nas mãos da dupla Sébastien Meyer e Arnaud Vaillant.

Natural da cidade de Pau, no sul de França, estudou Engenharia Civil e foi piloto da força aérea francesa durante a II Guerra Mundial. Essa formação, juntamente com a paixão pela arquitetura, acabaram por ser fulcrais para a linha criativa que assumiu enquanto criador de moda. Depois de estudar na Chambre Syndicale de la Couture Parisienne, os primeiros passos profissionais na moda foram dados ao lado do seu herói, Cristóbal Balenciaga. Courrèges voluntariou-se para trabalhar gratuitamente tendo começado esta colaboração em 1951. “Pago a minha admiração e interesse com trabalho”, disse, a propósito. A dedicação acabou por ser recompensada com uma promoção: Courrèges foi enviado para Espanha, como responsável por novos clientes da marca.

Foi apenas quando o mestre Balenciaga declarou considerar que Courrèges estava preparado para se lançar em nome próprio que o francês abriu a sua própria marca. Aos ensinamentos de Balenciaga, nomeadamente ao nível da modelagem e do corte, Courrèges juntou a influência do construtivismo russo e, três anos depois da inauguração da maison Courrèges, o designer apresentava a coleção que o viria a catapultar para todas as enciclopédias de moda.

Em “Space Age”, no ano de 1964, o francês apresentou uma coleção carregada de formas geométricas e simples, cores em bloco, óculos e capacetes inspirados na estética espacial, materiais inusitados como o plástico e o metal, e as que se viriam a imortalizar como botas go-go. Poderíamos pensar que se tinha inspirado nas missões espaciais, mas apenas cinco anos depois o homem chegou à lua. Courréges era um homem à frente do seu tempo. E queria que as mulheres também o fossem. “As mulheres de hoje são arcaicas na sua aparência: Quero ajudá-las a coincidirem com o seu tempo.”, disse à revista “Life”. Esta colecção fez com que ganhasse o título de costureiro da Era Espacial.

Juntamente com Paco Rabanne, Mary Quant e Pierre Cardin, nas décadas de 60 e 70, redefiniu uma lógica de estilo até então presente. Para Courrèges, a mulher deveria mostrar mais as pernas, com minissaias e vestidos curtos, mas a mesma mulher deveria usar calças. O presidente da Fédération Française de la Couture, Didier Grumbach, sublinhou ao “Le Monde” que André Courrèges foi o primeiro a misturar pronto-a-vestir e alta-costura, mantendo sempre um certo carácter desportivo nas suas criações. Uma abordagem que ainda hoje se encontra em muitos criadores.

A forma marcante como se afirmou nos anos de ouro da sua carreira acabou, no entanto, por se revelar fatal. De visionário, Courrèges passou ser visto como datado e as características que faziam dele único foram-se esvaindo no tempo.  De uma empresa que congregava 250 funcionários – entre os quais a sua mulher, Coqueline – e 180 pontos de venda espalhados pelo mundo, a Courrèges manteve apenas uma loja em Paris e cerca de 30 pontos de venda no Japão, país de onde era natural a empresa que entretanto comprou parcialmente a marca. Em 1993, o francês voltou a deter o controlo da sua própria marca, ainda que, nessa altura, já se debatesse com a doença.

Justamente por isso entregou nas mãos de Jean-Charles de Castelbajac o desenho das colecções da marca entre 1993 e 1994, recuperando alguns dos modelos históricos da Courrèges. Dois anos mais tarde, o francês recuperou também a sua linha de perfumes. Hoje em dia a marca resiste, mas aquilo que fez de André Courrèges um nome incontornável na moda, parece ter ficado no passado. Como o próprio disse, no passado, ao “New York Times”: “A criatividade do mundo parou em 1970. Se querem criar algo novo têm de regressar à Courrèges de 1970.” A Courrèges de 1970 imaginou uma mulher de um futuro que é hoje.

raquel.carrilho@ionline.pt