Lemmy Kilmister. O rock nunca mais vai rolar da mesma maneira

Lemmy Kilmister. O rock nunca mais vai rolar da mesma maneira


O lendário fundador, vocalista e baixista dos Motörhead morreu esta segunda-feira, dois dias depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro. Tinha 70 anos. E muitos concertos por dar


Vozes roucas há muitas, mas nenhuma como esta. Figura incontornável do rock mais pesado, rebelde inconformado, agente provocador, Lemmy era o mito, Lemmy era uma lenda. Podemos dizer até, sem medos: Lemmy era o rock. E o rock está certamente mais pobre desde ontem. Ian Fraser Kilmister, vocalista e baixista de Motörhead e único membro que atravessou toda a história da banda britânica, morreu esta segunda-feira na sua casa na Califórnia, na companhia da família, dois dias depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro em fase avançada. Tinha 70 anos.

“Não há uma forma fácil de dizer isto… o nosso grande e nobre amigo Lemmy faleceu hoje depois de uma curta batalha contra um cancro extremamente agressivo”, lia-se num post no Facebook da banda que vinha confirmar a notícia que minutos antes tinha começado a correr pelas redes sociais. “Não conseguimos expressar o nosso choque e a nossa tristeza, não há palavras”, acrescentava o post em que a banda prometia dar novidades nos dias seguintes e deixava um pedido: “Agora, por favor, ouçam Motörhead bem alto, ouçam Hawkwind alto, ouçam a música de Lemmy ALTO. E bebam um copo, ou vários. Partilhem histórias. Celebrem a vida como este amável e maravilhoso homem celebrou de forma tão vibrante. Ele quereria exatamente isso.”

Poucos minutos depois, o assunto dominava as redes sociais. “Perdi um dos meus melhores amigos, Lemmy”, reagiu ontem Ozzy Osbourne, no Twitter. “Ele era um guerreiro e uma lenda. Vejo-te do outro lado.” No minuto seguinte era a mulher do ex-vocalista de Black Sabbath a escrever: “O meu querido amigo Lemmy faleceu hoje. Conhecia-o há 38 anos. Vamos ter muitas saudades dele, nunca será esquecido.”

Também os Metallica prestaram a sua homenagem ao músico, a quem dizem dever a sua existência: “Lemmy, és uma das primeiras razões pelas quais esta banda existe. Estaremos sempre muito gratos por toda a tua inspiração. Descansa em paz.” O mesmo fizeram outros músicos, como Fred Durst, vocalista dos Limp Bizkit, Billy Idol ou Brian May, dos Queen: “Estar aqui sentado, a retweetar, sem cabeça, a pensar no que poderia ser dito sobre a morte do nosso amigo absolutamente único, Lemmy. Ouch.”

Jack Daniel’s e anfetaminas

Costumava dizer-se, numa receita há tempos citada num artigo que o “Guardian” recuperou ontem, que Lemmy era feito, em partes iguais, de quatro ingredientes: Jack Daniel’s, sulfato de anfetaminas, recordações nazis (a descoberta de que tinha uma coleção em casa gerou bastante celeuma) e, por último, ruído a velocidade extrema.

Há anos que se batia com vários problemas de saúde, fruto de anos (e foram muitos anos, só de Motörhead foram 40) de excessos. No início de 2015, muitos meses antes de ter sido diagnosticado este cancro a Lemmy, que sofria já de problemas gástricos e de diabetes, já a banda se tinha visto obrigada a cancelar várias datas de concertos. Antes disso, em 2013, o músico tinha sido operado ao coração. Os problemas cardíacos também o obrigaram, nesse ano, a cancelar vários concertos.

Mas Lemmy voltava sempre. Ainda que mais fraco. Ainda que a cometer erros em palco, como aconteceu este verão no Glastonburry, quando continuou a cantar a música “Ace of Spades” depois de o resto da banda já ter passado para o tema seguinte, “Overkill”.

A coca-cola que se lixe

“Aparentemente, ainda sou indestrutível”, disse numa entrevista ao “Guardian” em que reconhecia que as suas pernas já estavam cansadas, em agosto passado, poucos dias depois desse concerto em Glastonburry, e altura em que os Motörhead regressavam para apresentar o seu 22.º álbum de estúdio, “Bad Magic”. Falou também nessa entrevista sobre como tinha alterado os seus hábitos para um estilo de vida mais saudável. Contou, por exemplo, que tinha substituído o whiskey (o seu Jack Daniel’s com cola, que com o característico chapéu à cowboy compunha o conjunto) por vodka, supostamente menos prejudicial à saúde. “Gosto mais de sumo de laranja, a Coca-Cola que se lixe”, declarou, com uma garrafa de Absolut Vodka posta à sua frente.

Era outro Lemmy, muito diferente daquele que, ao som de Little Richard, conheceu o rock’n’roll, que para ele “soava a música de outro planeta”. Nos anos 60 começou a tocar em bandas locais em Stockport, Manchester, depois em Hawkind, até fundar os Motörhead, que completaram este ano quatro décadas de existência e que o têm como único membro que se manteve ao longo de toda a sua história, como vocalista e baixista.“ Foi aí que me tornei este monstro”, contou. “Vivíamos em casas ocupadas em Battersea [Londres] quando fundámos os Motörhead, dividíamos um apartamento com os Hell’s Angels, eles estavam sempre por perto.”

Foram 40 anos em que Lemmy fez de si uma espécie de instituição. Quiseram colar-lhe muitos rótulos, outros rótulos. Ele insistiu sempre que os Motörhead eram do rock. E foi como ícone do rock que Ian Fraser Kilmister morreu ontem em Los Angeles, poucos dias depois de ter completado 70 anos.

De Motörhead, ficaram 22 discos, milhares de concertos dados e mais uns quantos por dar (para os primeiros meses do ano estava agendada uma digressão pela Europa, com datas em Barcelona e Madrid, a 4 e a 6 de fevereiro). Lemmy ainda queria dar muitos concertos, não parecia disposto a parar, segundo disse na mesma entrevista a propósito daquele que viria a ser o seu último disco. “Vou continuar enquanto puder caminhar os poucos metros que vão do backstage à frente do palco sem uma bengala. Ou mesmo que tenha que usar uma bengala.”