David Bowie. Esta estrela nunca vai caber num título

David Bowie. Esta estrela nunca vai caber num título


Nunca se sabe tudo sobre alguém. Se essa pessoa for David Bowie – com todas as suas identidades e deformações psicadélicas – mais árdua se torna a tarefa. 


Foi por isso que chamámos um especialista que nega ser especialista. Um fanático, por certo. O Planeta Pop, do astronauta Paulo Garcia é um dos programas referência da rádio Radar. E o que se segue é uma lição de Bowie. Queridos alunos toca a tirar a caneta e o bloco de notas.

Recorda-se da primeira vez que ouviu David Bowie?

A primeira memória que tenho de ouvir uma canção de David Bowie foi com o “Let’s Dance”. Tinha 13 anos quando o álbum saiu, estava no início da adolescência, aquele período em que a música começa a fascinar-nos. Na altura já passava muito do meu tempo com os ouvidos colados à rádio e recordo-me perfeitamente do “Let’s Dance” tocar vezes sem conta na telefonia. Ainda hoje é um dos meus temas de eleição do Bowie. Com apenas 13 anos, escusado será dizer que não fazia ideia da importância do cantor e nunca tinha ouvido qualquer álbum editado antes de “Let’s Dance”. Sabia apenas que era uma das maiores influências de uma das minhas bandas preferidas, os Duran Duran. Só mais tarde, quando comecei a investigar a discografia do senhor, é que me apercebi que, afinal, até conhecia mais canções dele do que pensava, caso de “Ashes To Ashes”, “Space Oddity” ou “Life On Mars”, por exemplo.

Pensou que era um extraterrestre disfarçado de artista? O que sentiu?

A fase “oitentista” do Bowie é, talvez, o seu período mais “terreno” e menos alienígena. Era um Bowie mais para consumo de massas, com um ar mais certinho e mais colado à estética MTV. O deslumbre com a figura camaleónica e alienígena de Bowie veio mais tarde quando comecei a descobrir as diversas facetas da sua obra.

Houve um momento específico da sua vida em que tenha despertado para a realidade bowiesca?

Sim, quando comprei uma cópia em vinil do “Scary Monsters” na feira da ladra, para aí em 1984 ou 1985. Que disco fantástico! Foi a partir daí que senti a urgência de investigar com mais atenção o passado daquele ser andrógino vestido de Pierrot.

Qual o seu disco preferido? Porquê?

Oh diabo, isso é como perguntar a um pai qual dos filhos gosta mais…talvez o “Low”. Por ser um disco experimental e visionário, o primeiro do tal “período berlinense”, ainda hoje reconhecido com uma das fases mais criativas e importantes da sua carreira. E também porque tem no seu alinhamento o tema “Always Crashing In The Same Car”, um dos meus preferidos.

Já ouviu “Blackstar”? Quantas estrelas (negras) é que lhe daria?

Apenas os singles, “Blackstar” e “Lazarus”, e também o já conhecido “Sue (or a Season of Crime)”. Tenho evitado ouvir esses “leaks” que têm caído na internet nos últimos dias. Quero ouvir o disco pela primeira vez, na íntegra, apenas quando ele me chegar às mãos, em vinil. Vamos ver se consigo resistir…

Colocaria em que lugar de top discos?

Se o resto estiver ao nível dos temas que já se conhecem, é possível que este seja o seu melhor álbum desde “Outside”, de 1995. Vamos ver…

Tem toda a discografia? Qual o tamanho da sua coleção?

Sim, tenho toda a discografia. O meu objectivo é também ter toda a discografia em vinil. Estou a tratar disso, mas não é fácil, pois há discos caríssimos, a que não é fácil chegar.

Quantas letras sabe de cor? E quais?

Muitas. “Loving the Alien”, “Absolute Bigginers”, “Life On Mars”, “Time”, “Ziggy Stardust”, “Heroes”, “Let’s Dance”…

Quais os requisitos para se ser especialista em Bowie? Chega saber o nome de todos os discos?

Claro que não. É importante também saber o contexto em que cada um deles foi gravado, a sua história…O seu percurso. Mesmo alguns detalhes da sua vida pessoal. Para se ser um especialista em Bowie é preciso mergulhar no seu mundo.

Como seria o rock sem Bowie? Ou o mundo…se quiser

Muito menos excitante, sem dúvida. O rock perderia muito da sua teatralidade e da sua capacidade de reinvenção. E perderia também uma das suas figuras mais fascinantes. Isto já para não falar das canções.

Parece-lhe possível que ainda haja quem desconheça David Bowie? Que castigo merece?

É possível, claro, nomeadamente as gerações mais novas, em especial aquelas que consomem Anselmo Ralph e kizomba. Castigo? Ouvir kizomba não é já castigo suficiente?

De zero a dez em quanto avalia a camisola que Bowie utiliza no teledisco de “Space Oddity”?

Cinco. Estou a ser simpático e a ter em conta o contexto da época.

Se lhe dessem 5 minutos com Bowie o que faria?

Nada de especial, não sou de ficar deslumbrado com estrelas pop ou outras. Dir-lhe-ia apenas obrigado. Obrigado por toda a boa arte que criou ao longo da sua vida. Obrigado por ter partilhado connosco todo o seu talento.

Já ponderou domesticar um camaleão? Que nome teria?

Nunca. Mas se o tivesse feito, só podia chamar-se Bowie, como é óbvio.

Onde preferia levar Ziggy Stardust: Casa Independente ou à Hamburgueria do Bairro?

Ao estádio da Luz. Só porque sim.

Alguma vez consideraria fazer uma tatuagem com a frase “This ain’t rock’n’roll, this is genocide”?

Nunca me ocorreu. Mas porque não? Mas preferia a frase “I Am a DJ, I Am What I Play”.

Costuma fazer um calendário onde conta os dias até um novo disco de Bowie?

Sim, um calendário mental. Confesso que, desta vez, estou muito ansioso com este novo disco. A pré-compra está feita. Foi a prenda de Natal da minha mulher. Não vejo o momento de lhe deitar as mãos e metê-lo a tocar.

Preferia resolver a paz no mundo ou ver Bowie ao vivo todos os anos?

Resolver a paz do mundo. O mundo está a precisar de paz. Para mais, o senhor já tem alguma idade, precisa de levar uma vida mais pacata, seria exigir-lhe demasiado ir para a estrada todos os anos. Já o vi ao vivo e não me importava de o ver mais uma vez, mas de momento, prefiro que canalize as suas energias de uma forma mais criativa, a compor e a gravar música nova. Acredito que Bowie ainda tenha mais alguns discos “dentro dele” para deitar cá para fora.

Já sentiu alguma vez que Bowie tenha chegado àquele ponto em que parece que vai estagnar? Que já não consegue dar muito mais?

Quando lançou aquele disco com os Tin Machine, temi o pior. Mas Bowie não parou de surpreender. Tem sempre um truque na manga, encontra sempre uma forma criativa de reinventar a sua música e imagem. Mesmo hoje, com 68 anos, continua a surpreender. O novo “Blackstar” é disso exemplo. Não lhe chamam camaleão por acaso.

Bowie sempre foi um visionário. É ele quem inspira os restantes. Parece-lhe que atualmente já se pode dar o caso de este se deixar influenciar pelo mundo exterior?

Espero que sim. Nenhum artista pode fechar-se no seu casulo e fingir que o mundo não gira lá fora. Bowie sempre foi exímio na forma como sempre leu o mundo e como sempre soube absorver o que se passava à sua volta. Muita da sua capacidade de reinvenção vem desse seu talento para perceber onde está a boa arte.

Pensa que ele pode vir a ser eterno?

Já é eterno.