O regresso de quatro feriados ao calendário nacional vai fazer com que Portugal se transforme num dos países da União Europeia com mais efemérides religiosas ou civis com direito a descanso do trabalho. De acordo com um estudo da consultora Mercer, os 13 dias de feriados em Portugal são apenas superados por Finlândia e Espanha, que gozam 15 e 14 por ano, respetivamente.
O governo anunciou ontem que irá solicitar à Igreja Católica a reposição de dois feriados religiosos suprimidos durante o programa da troika. O Corpo de Deus, que se celebra 60 dias depois da Páscoa, regressa a 26 de maio. O Dia de Todos-os-Santos vai comemorar-se a 1 de novembro. Já se sabia que os dois feriados civis iriam voltar ao calendário: o da Implantação da República, a 5 de outubro, e a Restauração da Independência, a 1 de dezembro.
“Faz parte do programa do governo repor os feriados civis e não faria sentido não repor os feriados religiosos. O procedimento jurídico agora é muito simples”, adiantou ontem o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, explicando que o governo iniciará uma “troca de notas verbais” com a Santa Sé.
Da parte da Igreja, há total abertura para a reposição dos feriados religiosos já este ano. O chefe da delegação da Santa Sé nas negociações com o Estado português, D. António Moreira, explicou à Renascença que o executivo tem “toda a disponibilidade para decidir” e que não é sequer necessário entrar em negociações.
Impactos desconhecidos
Com o regresso dos feriados, Portugal ganhará três possibilidades de ponte, já que as paragens ocorrem a terças ou quintas-feiras (ver calendário ao lado). E, segundo o estudo da consultora Mercer, os 13 feriados nacionais – o Carnaval não está incluído porque depende de ser decretada a tolerância de ponto – põem Portugal no grupo de países com mais feriados na UE.
Enquanto os quatro feriados estiveram suspensos, os nove de Portugal eram dos valores mais baixos da Europa, apenas suplantados pela Holanda, Reino Unido e Hungria. Com a reposição dos feriados, Portugal é apenas ultrapassado por Finlândia e Espanha, ficando no mesmo patamar da Eslováquia.
Contudo, Tiago Borges, responsável ibérico da área de estudos da Mercer, vê com naturalidade este regresso, já que se trata da “eliminação de uma medida excecional” e que a iniciativa é “consensual no âmbito da atual maioria parlamentar, pelo que era expectável”.
Além disso, ainda hoje é difícil saber que efeitos económicos teve a abolição dos feriados. O principal efeito da suspensão foi a diminuição do valor/hora pago pela força de trabalho, uma vez que os funcionários são remunerados de forma idêntica trabalhando mais horas anualmente. Tiago Borges explica que “foi uma forma indireta de diminuir os custos de trabalho das organizações, promovendo o aumento de competitividade das empresas”, sobretudo das exportadoras.
Mas em termos de produtividade e impacto no PIB, o especialista da Mercer admite que “ainda não se avaliaram as consequências da sua eliminação, pelo que é prematuro antever o que representará a sua reposição”. Outros economistas especializados no mercado de trabalho, como João Cerejeira, já tinham admitido ao i que não é ainda possível verificar o efeito dos feriados na economia.
A medida foi introduzida ainda com Álvaro Santos Pereira como ministro da Economia e vigorou desde 2013. Nessa altura foram tomadas várias outras com impacto no mercado de trabalho, como o aumento do horário da função pública ou o menor pagamento de horas extra, e Portugal passou a trabalhar ainda mais horas do que já trabalhava. Segundo os dados mais recentes do Eurostat, relativos ao terceiro trimestre de 2015, a semana de trabalho em Portugal está em 39,7 horas por semana, mais de duas horas acima da média europeia e mais três que a da zona euro. No mesmo período de 2012, antes dos feriados e das outras medidas da troika, estava em 39,3 horas.
Sem consenso sobre os efeitos do prolongamento dos horários, as estatísticas revelam que os países mais ricos são aqueles em que a carga laboral é menos densa: os ganhos de produtividade são conseguidos noutros fatores económicos. Países como a Alemanha, Dinamarca ou Noruega trabalham menos de 35 horas por semana. E são precisamente as economias mais frágeis a trabalhar mais. Contrariando a tese de que os gregos passam demasiado tempo na praia sem trabalhar, os dados do Eurostat mostram que a República Helénica tem os horários semanais mais longos, acima de 42 horas.