Sunitas vs xiitas. Mil e quinhentos anos de discórdia


Minorias no poder, maioria na ‘oposição’. Tem sido assim a luta entre estas duas principais divisões dos muçulmanos. Os sunitas são esmagadores no planeta e à frente na maior parte dos países. As exceções são Iraque, Síria e uma das maiores potências da região: o Irão. Neste conflito tem também protagonismo a Arábia Saudita, pelos…


O conflito entre sunitas e xiitas é religioso ou tem apenas a ver com poder político?

A doutrina divide-se. Por um lado, as divisões feitas pelos ocidentais no início do séc. XX do território do Médio Oriente desfizeram o ‘Crescente Xiita’ que ia do Irão ao Líbano, desferindo-lhe um rude golpe.

Com a deposição do Xá da Pérsia, em 1979, a revolução iraniana instaurou um regime clerical xiita, tendo recuperado parte do poder perdido e transformando o país numa potência regional. Mas a questão religiosa é uma irmã siamesa da política. No mundo, os xiitas são, no máximo, 20% da população muçulmana (dados de 2009 recolhidos pelo norte-americano PewResearch Center). Dentro destes, o Irão é o país onde a percentagem de seguidores do xiismo é maior (entre 90 a 95%), seguido pelo minúsculo Bahrein e o relativamente pequeno Azerbaijão (entre 65 a 70%) e o grande Iraque (entre 65 a 70%).

O resto dos milhares de milhões de muçulmanos do mundo são sunitas. E o problema é que nem todos veem com bons olhos os seus irmãos de fé.

A divisão começou depois da morte de Maomé, por volta de 600 DC. E, lá está, por uma questão de poder, sobre quem deveria liderar os fiéis.

Uns defendiam que a tarefa cabia ao seguidores próximos do profeta. São os sunitas.

Outros, que ao genro de Maomé, Ali. São os xiitas.

Ali foi morto e os sunitas perderam a corrida.

Com o tempo, esta “divisão política entre os dois grupos alargou-se passando a incluir distinções teológicas e diferenças na prática religiosa. Apesar das duas facções manterem muitas semelhanças, diferem na conceção da autoridade religiosa e na interpretação do papel dos descendentes do profeta Maomé, por exemplo” explica o Pew Center.

Síria

Na Síria, o xiismo está representado pelo alauismo – ramo desta doutrina –, constituindo 15 a 20% do total da população muçulmana do país. Ao longo dos séculos foi acossado pela maioria sunita, até que Hafez al-Assad (pai do atual ditador, Bashar) chegou à liderança. Aí, os alauitas foram ganhando poder até dominarem o aparelho de Estado. Em 2011, protestos pró-democracia levaram a Síria à guerra civil. Gradualmente, o conflito deixou de ser apenas entre defensores e opositores de Assad para se transformar numa batalha entre os xiitas alauitas, no poder, e a maioria sunita. Os vizinhos envolveram-se, claro. O Irão foi em socorro de Assad, defendendo-o publicamente e, como tem sido noticiado, com tropas, meios militares e verbas. Do Líbano chegou também o apoio – político e militar – do Hezbollah, também xiita. A apoiar a oposição sunita estão Arábia Saudita, Turquia, Jordânia, Catar e Emirados Árabes Unidos. A revista norte-americana “Atlantic” escreve que, hoje, a Síria “é o maior gerador de sectarismo sunita-xiita a que o mundo jamais assistiu”, esquecendo-se da invasão do Iraque.

Iémen

A revolta dos hutis no Iémen começou nos anos 90. Primeiro, para defenderem as suas tradições religiosas de origem xiita, depois para contestarem Ali Saleh, presidente do país desde 1978. Mais tarde, envolveram-se ativamente na Primavera Árabe. Quando as lideranças sunitas dos países do Golfo substituíram Saleh (que consideravam frágil face à revolta) pelo seu homem de mão Abdrabbuh Hadi, os hutis iniciaram uma conquista do território que culminou na conquista da capital, Sanaa, e no derrube de Hadi, em Março, que fugiu para a Arábia Saudita. Riade liderou então uma coligação contra os hutis, acusados de estar a soldo do Irão – uma versão desmentida pela jornalista Safa Al Ahmad, autora de um documentário sobre os rebeldes, que considera atualmente uma força mais política que religiosa. “Há uma relação entre os hutis e os iranianos, mas muito exagerada … Teerão não pode simplesmente pegar no telefone e dizer -lhes o que devem fazer”, disse recentemente à estação PBS.

Iraque

No Iraque, os xiitas são maioritários, mas durante décadas foram afastados do poder pelo regime laico da minoria sunita de Saddam Hussein. Na verdade, aconteceu o oposto da Síria. Depois da invasão norte-americana do país em 2003 e do derrube do ditador, ficou livre o palco para a escalada da tensão entre as duas correntes religiosas. À resistência anti-americana sucedeu-se um conflito armado entre sunitas e xiitas, alimentado pelo primeiro líder do Estado Islâmico, Al-Zarqawi. Os xiitas ganharam as eleições; entre 2006 e 2014, o primeiro-ministro Nouri al-Maliki liderou um governo que suspendeu os ministros sunitas e agravou a guerra civil liderada pelos sunitas extremistas do Estado Islâmico, mas também por antigos apoiantes do regime de Saddam e forças tribais. Atualmente, estas últimas combatem ao lado dos xiitas.

Bahrein

Aqui repete-se a situação do Iraque antes da queda do regime de Saddam Hussein. A maioria da população é xiita e queixa-se de ser discriminada pela monarquia no poder, sunita, tal como as elites económicas. Em 2011, a Primavera Árabe abalou fortemente este pequeno arquipélago e a família real, em pânico, pediu ajuda aos velhos amigos da Arábia Saudita. Estes seguiram em auxílio ao statu quo e voltaram a ir em 2012, por exemplo. Neste momento, os xiitas continuam a protestar contra o governo e a favor de reformas.

Chegou a haver conversações entre as duas partes, mas acusações vindas de ambos os lados fizeram um possível entendimento bater na parede. Foi um dos países onde houve protestos importantes depois da execução pela Arábia Saudita do xeque Nimr al-Nimr, influente no Bahrein.
 ­O rei, por seu lado, tomou o partido dos sauditas e rompeu relações com o Irão.

teresa.oliveira@ionline.pt