Segundo o Ministério Público, o objetivo de Macedo era favorecer a atividade imobiliária paralela que António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado tinha com empresários chineses. Mas há um detalhe a que o MP dá especial relevo: Na mesma altura foi indeferida, por falta de verba, a colocação de um oficial de ligação em Islamabade (Paquistão), “local assinalado pelo então Ministro dos Negócios Estrangeiros como estratégico em matéria de controlo de riscos migratórios”.
Os investigadores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, responsáveis pelo caso vistos gold, acreditam que Jaime Gomes, arguido e ex-sócio de Miguel Macedo, e Zhu Xiaodong, empresário chinês, “envidaram esforços para abrirem na China uma Agência de Imigração/Vistos Gold que divulgasse os serviços desenvolvidos por ambos em Portugal e angariasse clientela”.
A atividade naquele país, refere a acusação, seria a extensão da prospeção imobiliária que estes dois arguidos já desenvolviam em Portugal, juntamente com o então presidente do IRN. Mas para que tudo fosse de vento em popa era preciso colocar um oficial de ligação em Pequim.
A ordem a Manuel Palos
“Tal objetivo empresarial determinou Miguel Macedo a, no âmbito dos poderes tutelares do Ministério da Administração Interna sobre o SEF, formular o desígnio interior ex novo um posto de oficial de ligação na China como forma de favorecer essa atividade”, descreve a equipa liderada pela procuradora Susana Figueiredo no despacho de acusação.
Manuel Palos e António Figueiredo terão acabado por almoçar juntos, em janeiro do ano passado, para trocar impressões sobre este assunto. Foi nesse encontro que o presidente do IRN deu indicações sobre o perfil do oficial de ligação que precisava fosse colocado naquele país, bem como sobre a região estratégica: a cidade de onde vinham mais chineses para Portugal. O ex-presidente do IRN chegou mesmo a sugerir a Palos o nome de Maria Sousa (então funcionária da Embaixada de Portugal em Pequim).
Palos acata ordem do MAI
Manuel Palos acedeu, segundo o MP, ao pedido de Macedo e começou a preparar a proposta que tinha de apresentar ao Ministério da Administração Interna – a que cabe o deferimento ou indeferimento da criação de postos de oficial de ligação.
“Sabedor dos propósitos informais assinalados pelos arguidos Miguel Macedo, Jaime e António Figueiredo à criação de um posto de oficial de ligação para Pequim, o arguido Manuel Palos determinou aos serviços do SEF, que dirigia, a elaboração material da referida proposta, como se de uma iniciativa do SEF se tratasse”, explica a acusação.
Não havia estudos
A decisão de colocar na capital chinesa um oficial que fizesse a ponte com Portugal não era uma prioridade nacional.
Segundo o DCIAP apurou, não havia sequer “quaisquer estudos/relatórios/propósitos públicos, anteriores a dezembro de 2013, que sustentassem tal decisão”. Lembram ainda que não tinha sido feita qualquer referência à necessidade deste posto nos Planos e Relatórios Anuais do SEF.
A situação contrasta com o pedido indeferido de colocação de um oficial em Islamabade – no “mesmo contexto orçamental”. Segundo o MP, neste último caso foram apontados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros riscos migratórios, tendo a proposta partido do Embaixador de Portugal no Paquistão.
Plano falhou
A 17 de março do ano passado deu entrada no Ministério da Administração Interna a proposta do SEF para Pequim. Mas a proposta acabou por nunca ter um despacho favorável de Miguel Macedo.
Segundo o DCIAP foram as fugas de informação que terão bloqueado o plano que foi desenhado ao pormenor pelos arguidos: “A proposta não veio a ser objeto de qualquer despacho ministerial na sequência da fuga de informação ocorrida nos presentes autos de inquéritos em março/abril de 2014, momento a partir do qual António Figueiredo tomou conhecimento de que era alvo de intercetações telefónicas”.
No despacho de acusação, os investigadores salientam ainda que, aquando das buscas ao à sala do chefe de gabinete de Miguel Macedo, não foi encontrada a referida proposta. E concluem dizendo que o documento foi entregue à posteriori: “encontrava-se no gabinete do ministro a aguardar despacho há cerca de nove meses”.
A acusação
O ex-ministro da Administração Interna foi acusado em novembro por três crimes de prevaricação de titular de cargo político e um crime de tráfico de influência, no âmbito do processo conhecido como “Vistos gold”.
O MP acredita que Miguel Macedo favoreceu empresários chineses, tirando proveito do lugar que ocupava. Em alguns casos Macedo terá pedido ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para agilizar processos, além disso, mantinha ligações pessoais e de amizade com os arguidos que tinham negócios ilegais.
Uma atuação que o MP considera ser de “acentuado desrespeito pelos deveres funcionais” e uma “inadmissível promiscuidade de funções”.
Além do ex-ministro, no chamado caso vistos gold foram acusadas outras 16 pessoas e quatro sociedades. O ex-presidente do IRN está acusado por dois crimes de corrupção passiva, três de tráfico de influência, um de peculato de uso, dois de recebimento indevido de vantagem, um de branqueamento de capitais, um de corrupção passiva para a prática de ato ilícito, um de corrupção ativa para a prática de ato ilícito e um de prevaricação.
Já sobre o ex-diretor do SEF recai a acusação de um crime de corrupção passiva e dois de prevaricação.
Jaime Gomes, empresário e ex-sócio de Miguel Macedo, está acusado por um crime de corrupção passiva, um de prevaricação e dois de tráfico de influência.