Várias fontes ouvidas pelo i garantem que há o risco de ficarem bloqueadas as negociações que dependem de maioria de dois terços, em reacção à atitude do PS. Nomeações como as dos seis juízes do Tribunal Constitucional que estão prestes a terminar o mandato podem, por isso, transformar-se num braço-de-ferro já em Abril (altura em que terão de ser substituídos).
Mas não é só: a nomeação do Conselho Económico e Social – cujo mandato termina com a legislatura – também pode revelar-se uma dor de cabeça para António Costa, porque necessita de uma maioria de dois terços no Parlamento.
“É perigoso o caminho que o PS está a seguir”, avisa Bruno Vitorino, líder da distrital do PSD de Setúbal, que diz que a atitude agora assumida por Costa em relação ao Conselho de Estado “terá sempre consequências”. E a principal é o “aumento das clivagens” entre esquerda e direita.
Há de resto à direita quem assuma que a relação do velho bloco central pode ter azedado para sempre. “Da próxima vez que tivermos maioria à direita, ficam fora de tudo”, garante uma fonte do CDS, explicando que o entendimento de que uma maioria parlamentar pode servir para inverter a lógica que dava primazia à força política mais votada terá consequências, sobretudo tendo em conta que a alteração da relação de forças no órgão consultivo do Presidente da República pode pôr em risco a continuidade do militante número um do PSD no Conselho de Estado.
“Ao passar de três para dois lugares para a direita e podendo Passos e Portas entrar, pode estar em causa manter lá Balsemão. E isso é complicado para o PSD”, aponta a mesma fonte.
Mas não é só à direita que há gente atenta ao impacto da decisão de Costa de reclamar três dos cinco lugares atribuídos a representantes da Assembleia da República. “As coisas vão complicar-se quando se tratar de cargos que requerem a eleição por dois terços, como os juízes do Tribunal Constitucional. Sabendo-se que para isso é necessário um acordo entre o PSD e o PS (não sendo necessários os votos de mais partidos) e tendo, portanto, cada um deles um poder de veto sobre os candidatos da outra parte, é mais difícil acomodar as eventuais pretensões do BE e do PCP”, alerta o constitucionalista Vital Moreira, num post do seu blogue Causa Nossa, com o título “The shape of things to come” (qualquer coisa como “a forma das coisas que aí vêm”).
Mudar as regras no futuro?
Entre os sociais-democratas há mesmo quem defenda que, numa futura revisão constitucional, se altere a fórmula usada para a nomeação de vários órgãos do Estado que obriga a uma maioria de dois terços na Assembleia da República.
“Pode fazer sentido, numa próxima revisão constitucional, mudar isso para evitar impasses”, defende o social-democrata António Rodrigues, lembrando que quando houver um quadro parlamentar que o permita o PSD deve avançar com uma alteração à lei fundamental. “É um tema que tem surgido muito e faz sentido pensar sobre isso”, argumenta, recordando que o primeiro a falar no assunto “foi Cavaco Silva quando propôs as sete alterações aos poderes constitucionais do Presidente da República” e, depois, Passos Coelho quando propôs acabar com a regra que impõe um período de seis meses sem eleições depois das legislativas.