Introdução “Mas se conhecêssemos as coisas até ao seu ponto mais profundo’? ‘Deveríamos sentir piedade também pelas estrelas? Se alcançássemos o que é chamado o cerne da questão.”
No seu romance “O Cerne da Questão”, Graham Greene revela-nos um homem que chegou à encruzilhada da vida e a quem a culpa, movida pelo sentido de responsabilidade, provoca um conflito em torno de questões como o livre arbítrio, a responsabilidade, os princípios e a expiação.
Tal como em Camus ou Dostoievski, outros dois geniais intérpretes da alma humana, Greene trata as questões políticas e morais do seu tempo por meio do drama acrescido da reflexão sobre os pecados e as angústias do ser humano que age segundo seus instintos mais primitivos, muito embora busque na religião, ou no caso que nos interessa na política, a racionalização dos seus actos e do seu mal-estar.
É isso que de facto importa. Assumir o desafio de ir ao cerne da questão, não ficarmos, convenientemente, de alma hipotecada na ligeireza manhosa do canalha, ou cegos de cérebro devorado pelo preconceito. No fim veremos como tudo se completa.
Dâmaso, também conhecido pelo esgoto Um cidadão, neste caso, de nome Miguel Macedo, é interrogado, na qualidade de arguido, no âmbito de um processo em segredo de justiça. De boa-fé sabe que vai ser filmado para constar dos autos. Está de boa-fé, fragilizado, exposto, mas convencido de que a lei o defende no direito e na garantia de que aquele registo só é admissível para se apurar a verdade. Enganou-se. Enganaram-no, porque eis que um tal Dâmaso, de estilo chulo, estribando-se no direito, tem acesso ao processo, e logo decide que a gravação tem interesse público e faz passar na televisão aquilo que estava proibido por lei de fazer.
Ou seja, a cavalgadura decide que está acima da lei e viola o direito do cidadão em nome de um pretenso interesse público. Estamos no universo das humilhações públicas nazis, dos Khmers Vermelhos ou do ISIS. É nestes pequenos artifícios que o fascista ensaia e experimenta.
Consequência para o tratante? Pagar multa. Tudo em nome da cloaca. Mas também que esperar de um Dâmaso cobarde, intriguista, autor de cartas anónimas, gabarola, enfim, um personagem moralmente plano? Menos que nada. O Eça já o tinha dito.
Três mulheres Francisca, Joana e Maria. Três mulheres que as circunstâncias põem no vértice da justiça em Portugal. Mulheres sem medo, que já viram de tudo. Intocáveis. Chegam por mérito profissional; o género, se para alguma coisa concorreu, foi por uma exigência de qualidade exigida. Trazem-me serenidade e confiança. Como afirmou Louis Aragon, “O homem para ser perfeito só lhe falta ser mulher”. A justiça tem uma oportunidade.
Terrorismo É uma das três candidatas a palavra do ano. Te-rro-ris-mo. Maio de 2013, o senador John McCain dirigiu-se, ilegalmente a Idleb, na Síria, através da Turquia, para aí se reunir com líderes da “oposição armada”. A viagem só foi tornada pública após o seu regresso a Washington. Reuniu-se na altura com Al Baghdade, hoje também conhecido por Califa e chefe supremo do Estado Islâmico. Existem fotos do auspicioso encontro. Quanto sangue inocente mancha as mãos dos que sustentam os terroristas? Quanto sangue mancha John McCain, amigo dos terroristas que deram ordem para matar em Paris?
Um anúncio de Natal Uma cadeia de supermercados alemã produziu um vídeo que já emocionou os milhões que visualizaram o filme. Nele, um velhote, na iminência de passar o Natal sozinho, simula a sua morte, o que leva a que os filhos corram em luto a sua casa, descobrindo ali que afinal o tratante está bem vivo. Depois do susto, todos juntos abocanham a ceia e ala a deitar o progenitor. Andamos mesmo carentes de esperança e ombro amigo. A preocupação com o outro devia ser todos os dias, o nosso gesto, atitude e solidariedade devia ser o seu Natal em qualquer data. Religião, ou afirmação política, deveriam ter o humano como factor e centro de todas as coisas. A nossa alma e decência deviam ser inexpugnáveis contra a estupidez e a indiferença. Chorar mas pelos que sofrem e por revolta de não sermos capazes de os salvar.
Natal é resistência e esperança. Quanto ao venerável velhinho alemão não me provoca um suspiro, até porque não sei se em jovem não foi um aprumado oficial de um campo de concentração.
Em “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway, Santiago, o pescador cubano, explica ao jovem Manolin que “Um homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado”.
Ou, de outra forma, como disse Philippe Petit, funambulista francês que em 1974 estendeu uma corda entre as torres gémeas e fez o percurso caminhando a 400 metros do solo: “A palavra ‘cair’ não está no meu dicionário.”
Todos estamos numa corda frágil e instável; um movimento em falso, uma brisa inesperada, e acabamos rebentados no chão. Porém, apesar disso, insistimos. Olhamos em frente, enfrentamos a neblina e insistimos.
Consultor de comunicação
Escreve à quinta-feira