Nunca antes de Passos Coelho o PSD se tinha encostado tanto à direita, tornando-se, na realidade, um partido neoliberal retinto, totalmente afastado da sua origem e de uma prática social-democrata sempre reafirmada por líderes como Sá Carneiro, Balsemão, Mota Pinto, Cavaco, Nogueira, Marques Mendes, Barroso, Santana Lopes e Ferreira Leite.
Para concretizar os seus propósitos de grupo, Passos aliou-se a Portas e ficou refém de um pequeno mas eficaz exército de políticos novos e inteligentes que executam um programa político radical de mudança do panorama económico e social do país, construindo soluções à medida que permitiram vender ao desbarato as boas empresas portuguesas sem que daí adviessem vantagens para os cidadãos, enquanto devastavam a economia de escala humana de que a sociedade portuguesa sempre foi feita.
Em quatro anos e meio de governo, Passos Coelho cumpriu proporcionalmente mais do que toda a cartilha de Thatcher. E o mais curioso é que se preparava para levar por diante a fase seguinte, que passaria nomeadamente pela reestruturação do sistema de pensões, acentuando e agravando ainda mais a guerra de gerações que gerou nos últimos anos.
Mesmo quando perdeu as eleições (ou, mais precisamente, quando não foi capaz de as ganhar e de formar governo), Passos fez finca-pé na mesma direcção política, apenas condescendendo em ser mais lento na sua execução para tentar amansar o PS. Fazia lembrar aqueles maestros que, a certa altura, dizem à orquestra “toquem lá isso outra vez, mas agora mais baixinho”.
Quando percebeu que iria perder o poder e ser remetido para a oposição, Passos aproximou-se ainda mais do CDS/PP, que fez o negócio do século ao conseguir manter um grupo parlamentar sensivelmente igual ao que tinha, em vez de voltar à dimensão de táxi ou, vá lá agora, de tuk-tuk de seis assentos.
Com esta táctica, acrescida da decisão de rejeitar sempre qualquer entendimento futuro com o governo de António Costa e do PS, Passos voltou a radicalizar o PSD, acantonando-se totalmente à direita e fundindo-o na prática com o CDS/PP, que é quem domina ideologicamente o espaço em que se concentram os dois partidos.
É natural que esta estratégia de oposição sistemática e de rancor venha a ter eco e adesão no PSD ainda durante um tempo razoável, pois para um partido de poder ficar fora do aparelho de Estado é sempre dramático. Sobretudo agora, quando podem aparecer novas clientelas oriundas do Bloco de Esquerda e do PCP, a quem não faltam quadros.
Se, porventura, o governo de Costa mostrar sinais de fragilidade logo na apresentação e votação do Orçamento e nas políticas económicas, é natural que o PSD de Passos mantenha a sua liderança e o seu rumo. Mas, se Costa souber consolidar-se e levar a água ao seu moinho (e já se percebeu que é pessoa para isso), ganhando espaço político, o PSD, na sua definição política actual irá definhar lentamente, enquanto o CDS/PP irá tomando conta dele, engordando ao comer as entranhas do partido de Sá Carneiro.
Resta assim ao PSD a via da refundação ou da reconstrução para voltar a ser o partido verdadeiramente representativo de uma sociedade interclassista em que sob o laranja e as setas simbólicas se juntam quadros, trabalhadores, profissões liberais, gente da administração pública, da sociedade civil, jovens e velhos decididos a reformar em nome do progresso, sem pôr em causa, sem dividir e sem excluir.
É esse o caminho de quem tiver a coragem para desafiar o status em que o PSD foi enterrado, descaracterizado e despersonalizado nos últimos anos por um grupo que, no seu interior ou em nome de alianças espúrias, aniquilou e destruiu praticamente todos os seus valores.
O PSD tem de optar entre uma mudança ou uma insistência no mesmo desvario liberal. Se escolher a primeira via, retoma o seu papel matricial na sociedade portuguesa e alternará com o PS. Se optar pela segunda terá, verdade se diga, sempre garantidos 30% dos votos, que não servirão para rigorosamente nada, a não ser que venda sempre a sua história ao desbarato e aceite qualquer papel.
A palavra e o domínio interno no PSD serão, por mais um tempo, de Passos Coelho, que vai manter-se na liderança numa linha política revanchista. Se o partido não tiver um sobressalto de resistência a esse estado de coisas, irá seguir o percurso actual, servindo causas e interesses que nunca foram seus. Mas há outras vias. Há outros caminhos, como aqueles de que fala o próprio hino de um partido que, por sinal, foi escrito por Paulo de Carvalho.
Nota Final: Quanto ao segundo e efémero governo de Passos, só valeu a pena por causa de Calvão da Silva. O professor mostrou-se eficaz e competente perante uma catástrofe natural, sem abdicar de convicções e sem reagir a campanhas e ofensas. Logo a seguir soube actuar serenamente no terreno, no meio de uma crise de segurança à escala planetária originada pelos atentados terroristas de Paris. Feitas as contas, os portugueses devem estar-lhe agradecidos, até porque sabia que só vinha a Lisboa por 15 dias.
Jornalista