É do Tondela, do Belenenses e do Sporting. Do primeiro por causa do Duarte, o filho pequeno que quis ajudar um clube pobrezinho. Do segundo porque o treinador é Ricardo Sá Pinto – e porque já há 50 anos foi assim para conquistar a primeira mulher. Do terceiro porque é o primeiro: ah, leão! Nem só de futebol vive o homem e Carlos Barbosa sempre foi apaixonado por carros. Ainda corre por brincadeira, mas o campeão a sério é o filho Miguel. Ele, que é há 11 anos presidente do Automóvel Club de Portugal, já tem uma nova dor de cabeça: o esquema ilegal de cartas de condução. Mais uma guerra que terá de travar, além das que tem contra Sócrates e as PPP e António Costa. Para os 300 mil sócios, Carlos Barbosa tem muitos planos. O pai era radiologista, e a mãe professora de yoga. Por brincadeira, um amigo diz que herdou a visão de um e a calma do outro – não revela o quê de quem. Fez dinheiro a valer pela primeira vez com a venda do “Correio da Manhã” e não voltaria a investir em comunicação social a não ser numa rádio. O dinheiro que tem investe em património imobiliário – nada de bolsa, que detesta. E só lamenta a falta de tempo para estar ainda mais com aqueles de quem gosta. Talvez, inconscientemente, isso justifique outra paixão, a que tem por relógios de pulso, uma colecção que perdeu há quatro anos, depois de a sua casa ter sido assaltada. Falámos sobre este assalto e outros sobressaltos.
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Tem sido um crítico de António Costa. Se o PS formar governo, o que acredita que vai acontecer?
Tenho sido um crítico de António Costa desde que ele esteve à frente do Ministério da Justiça e recusou a contratação de 100 agentes de investigação para a Judiciária, uma decisão que veio a repercutir-se durante muitos anos. Depois, quando esteve no Ministério da Administração Interna, desfez a Direcção-Geral de Viação e criou a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. Perderam-se 60 mil cartas. Pôs o pessoal todo no IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, que ainda hoje não está a funcionar bem, um desastre completo. E quis acabar com a Prevenção Rodoviária Portuguesa, o ACP é que não deixou. Aliás, há um processo contra António Costa, de 4,5 milhões de euros.
Que processo?
Todos os anos, o Estado delegava na Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), que tinha 60 pessoas, todas as campanhas. O dinheiro não era do Estado, era do Fundo de Garantia Automóvel. Quando fazemos uma apólice, 4% vão para o Fundo de Garantia Automóvel. Destes, 50% vão para pagar os acidentes das pessoas que não têm seguro e os outros 50% para campanhas de prevenção rodoviária e para a Estradas de Portugal – que entretanto deixou de receber porque passou a receber uma percentagem dos combustíveis (o imposto de incêndio, uma mentira).
Onde entra António Costa?
Em Fevereiro entregava-se ao MAI o programa da prevenção para o ano inteiro que, se o aprovava, pagava em Novembro. O António Costa aprovou e não pagou 4,5 milhões de euros. Por causa disso foram despedidas 50 pessoas e foi preciso ir ao banco pedir dinheiro emprestado. Foi processado António Costa e o Estado, o advogado é Proença de Carvalho. O processo está a andar no Tribunal Administrativo de Lisboa, estamos à espera há sete anos.
Sobre a gestão de António Costa em Lisboa, o que pode dizer?
António Costa em Lisboa foi um desastre completo. O presidente da câmara era o Manuel Salgado, nunca foi ele, as decisões eram todas tomadas pelo Manuel Salgado. Eles odeiam uma coisa que são os automóveis, mas os automóveis fazem parte da cidade, porque 84% das pessoas que vêm para Lisboa vêm de carro e não têm onde o deixar. Se fizessem parques à entrada da cidade com ligações aos transportes públicos, como há em Londres, em Paris, em Genebra, as pessoas deixavam de trazer os automóveis para dentro da cidade. Há quatro mil lugares livres no estádio da Luz e no estádio do Sporting, e estamos há cinco anos para autorizar que se parem lá os carros. Dão–se umas migalhas aos clubes e faz-se um passe de interligação ao metropolitano. Isto é do tempo da Ana Vitorino [PS], com quem falei na altura. É preciso legislar o passe.
Acredita que as pessoas vão deixar de querer levar o carro até à porta?
Se tiverem bons transportes públicos, o que penso que vai acontecer com as privatizações, sim. A menos que agora volte tudo atrás, já não sei. A câmara municipal não tem capacidade para gerir transportes. E não tem capacidade financeira. Enquanto a Carris pode ser negócio, a Metropolitano é um desastre. O dinheiro da câmara tem de servir para outras coisas e a interferência da CML tem de ser na atribuição de corredores bus, de eixos. Gerir empresas, sou contra. Cavaco vai ter de tomar uma opção, mas não podemos andar quatro anos para trás. Viajo permanentemente e, desde que começou esta cegada, não se fala noutra coisa. As pessoas que estavam a comprar casa em Portugal, os franceses, os suíços que têm benefícios, os libaneses que têm golden visa, pararam. Não estou contra ou a favor, estou a dizer que estas pessoas suspenderam as suas decisões.
Porque receia voltar quatro anos para trás?
Quem é que fez contas? É muito giro dizer que se aumentam salários, pensões, dão benefícios, mas é só despesa. Como pagamos o resto? Andámos quatro anos a apertar o cinto, saímos do lodo, e agora? Este princípio de Robin Hood, tirar aos ricos para dar aos pobres, acabou. O que é preciso é que os pobres sejam ricos, é preciso puxar pela classe média, pelo país. Penso que isto é uma manobra triste, que o PS devia ter-se coligado antes das eleições. E teria ganho ou perdido, sem dúvidas sobre isso.
Os portugueses têm dificuldade em tomar decisões?
Mais do que isso, têm receio de dar opiniões. Têm receio de tudo, da pessoa do lado, porque em Portugal há uma coisa horrível que é a inveja. Lá fora, alguém vê um tipo com um Ferrari e diz “um dia hei-de ter aquele carro”. Aqui, alguém vê um tipo com um Ferrari e diz “é um fascista, roubou, está na droga, no negócio de armas”.
O pior é quando se descobre que é mesmo.
Algumas vezes poderá ser. Mas o problema é que o português é muito invejoso. E tem medo de ter opinião porque se for contra o partido, pode ir para a rua, porque foi o partido que lhe deu emprego. Os partidos empregam cerca de 60 mil pessoas, cada vez que estão no poder é uma quantidade de gente que entra e sai. Por isso, agora, esta avidez pela tomada de posse, ou hipotética tomada de posse, da esquerda. Foram quatro anos sem empregos e agora têm a hipótese de voltar às empresas. Os portugueses têm medo de opinar porque têm medo da sua própria segurança. Não são todos, mas a maioria da população é resignada, diz no café mas não diz quando tem de dizer.
Voltando a Lisboa, aos automóveis e à gestão daquela que é uma das empresas mais polémicas, a EMEL. É clara para o ACP a moldura legal em que se enquadra a empresa?
Costa tentou transformar a EMEL numa superempresa mudando-lhe os estatutos, porque tinha maioria na câmara, ou nunca teria conseguido. O próprio PS esteve contra na oitava comissão e acabou por votar a favor na assembleia municipal, o que é muito estranho. A EMEL queria tomar conta da Carris e da Metropolitano, não conseguiu, e não fazia sentido nenhum. A EMEL tem tantos funcionários em Lisboa como a Empark no mundo inteiro, que gere 180 parques em 150 países. Não bate certo. Depois há este conflito com a Polícia de Segurança Pública e com a Polícia Municipal, permanente. E, sobretudo, a EMEL assume muitas vezes poderes que não tem e quer ocupar todo o espaço público de Lisboa, o que não deve. E é a câmara que lhe dá essa capacidade. Só porque a câmara quer açambarcar tudo, a EMEL_não deve ter uma posição de prepotência em relação ao espaço público. Tem de haver um equilíbrio e há um abuso de tomada de espaço público que não devia haver.
Guia-se mal em Portugal?
Guia-se muito mal em Portugal. Primeiro, porque o ensino é mau, na maior parte das escolas não se faz aquilo que é obrigatório. Segundo, porque os exames são extremamente permissivos em Portugal. As pessoas vão para as escolas para tirar a carta e não para aprender a conduzir, e depois de tirarem a carta vão aprender a conduzir para as estradas. É isso que provoca tantos acidentes. Outra coisa importante é que todo o dinheiro da prevenção rodoviária tem sido para comprar automóveis e pistolas e radares, e não tem sido para aplicar em campanhas de sensibilização como manda a lei. “Campanhas de segurança rodoviária”, está lá escrito. E está provado que sempre que há campanhas, a sinistralidade baixa brutalmente. Este ano estamos outra vez com níveis de sinistralidade altíssimos porque não há campanhas.
O tal dinheiro de que falou há pouco e que vem dos seguros, do Instituto de Seguros de Portugal, para a Prevenção Rodoviária Portuguesa?
Sim. Essa verba vai na mesma para o ISP, para o Fundo de Garantia Automóvel, mas o Estado vai lá buscar o dinheiro para comprar automóveis para as brigadas de trânsito, para a GNR, porque considera que as campanhas de segurança rodoviária passam por ter carros novos, radares novos, computadores nos carros. Eu não estou de acordo. Penso que o Orçamento do Estado deve englobar o equipamento de vigilância, o MAI é que gere isso. Mas os carros novos da polícia são todos pagos pelos seguros, pelo Fundo de Garantia Automóvel. Cada vez que sou convidado para ir a Queluz [à Escola Prática da Guarda], são entregues aos 50 e aos 70 carros de uma vez.
Leia a entrevista na integra na edição de fim-de-semana do i