Paris está triste, e nós estamos tristes por Paris, sobretudo pelo que isso possa significar para nós, e porque afinal ainda é em Paris que de algum modo nos revemos no velho mito da cidade luz. A bela foi atacada de novo, e já sem um alvo concreto e definido como tinha acontecido contra quem defendera a liberdade; agora o acinte foi fazer terror contra Paris ela própria a viver. Et oui, Paris, la joie de vivre… Não, não fiquei espantado nem em estado de choque, apesar de Paris, e mesmo que um pedaço da torpe chacina tenha acontecido no Bataclan, onde estive há uns anos e desejo voltar. Aliás, pouco antes de acontecer este massacre já outro tinha acontecido há pouco tempo em Beirute, e já antes acontecera no Egipto com o avião comercial russo, e antes disso em Bagdad, e antes na Nigéria, e em Cartum, e antes em Madrid, e tantos outros que constantemente acontecem. Confesso que o choque, o espanto, a incredulidade, o horror, e aquele imenso vazio ilógico da razão, bateram-me com toda a força a 11 de Setembro de 2001, quando começa o tempo desta nova barbárie.
E depois das torres gémeas, de tudo o que se lhes seguiu, que dizer mais, que contrapor, que comentar, que acrescentar ao que já está dito (e por vezes bem) aqui e acolá? Fazer o renovado lamento pela monstruosidade de mais este ataque? A renovada constatação de que o mundo não é um lugar seguro e não podemos ainda migrar para Marte? Sinceramente, não sei de todo o que dizer, a não ser que nada mudou desde 2001, no mundo e na atitude global. Passe a eventual redundância, talvez só seja possível constatar que desde a vergonhosa traficância das Lajes em 2003, e dos múltiplos atoleiros do Iraque, das montanhas do Afeganistão, da Líbia, da Síria…, tudo isso falhou e absolutamente nada mudou. A indústria bélica continua a prosperar como sempre, e os que são atacados continuam alegremente a vender armas a quem os ataca. Mas o lausperene continua, sonso, hipócrita, provavelmente agora com mais uns votos para a extrema-direita, já que essa a julgar é mais primária por natureza. A atitude belicista emerge sempre nestas trágicas ocasiões, e as “ameixas” já deitadas pela força aérea francesa na Síria são logo aplaudidas pelo imenso coro de massas, amarfanhado, revoltado, ainda que se desconheçam os resultados práticos dos ditos bombardeamentos. E depois, que dizer desse grande lupanar da diplomacia internacional, que vai passando sempre alegremente entre os pingos da chuva, vigarista, traficante, e que vai suportando e acolitando proficuamente o terror, sim, que dizer então da Arábia Saudita? Não sobrarão porventura umas “ameixas” para uns certos príncipes e sheiks deitados sobre o ouro negro e cheios de Van Gogh e Picasso nas suas tendas magníficas? Que dizer de tantas outras coisas, das velhas e subliminares lógicas imperiais ocidentais, vestidas de grude e arrumadas em barris de dólares e mercados bolsistas? Mas afinal ninguém sabe quem alimenta estes tresloucados, alguns até adolescentes, em actos monstruosos deste jaez? Há de facto uma organização, mas pouco mais sabemos do que isso mesmo, e falta-nos saber o resto. E há uma máquina imensa de informações montada por todas as secretas do mundo, que por vezes até conseguirá prevenir alguns atentados mas não todos, como mais uma vez se pode constatar.
Desde o 11 de Setembro que fiquei ciente de que todos podemos um dia estar no lugar onde aconteça outra insanidade destas. Mudou alguma coisa entretanto? Nesse caso, sendo verdade expliquem-me bem, por favor, porque não vejo nem perscruto nada. Apenas sei que esta guerra começou há década e meia e não se lhe vê fim. E sim, é verdade que me angustia muito pensar que esta confessa ausência de espanto possa ser um terrível sinal de inevitabilidade conformada, e isso seria trair tudo aquilo em que teimo acreditar. Mas não me contem mais histórias de embalar, por favor, porque não há rebanhos bons e rebanhos maus. Há rebanhos, ponto.