O futebol é capaz de fabricar algumas das histórias mais impressionantes no mundo do desporto mas dificilmente o futuro terá reservado alguma que consiga ultrapassar o título europeu da Dinamarca em 1992. De eliminada a campeã, houve 27 dias que transformaram a face do futebol europeu e abalaram a estrutura dos crónicos favoritos e da impotência da segunda linha. Aconteceu porque tinha de acontecer, embora ninguém o esperasse. Aconteceu porque a motivação e a vontade podem ter um papel tão decisivo como a qualidade e o favoritismo teórico. Aconteceu porque o desporto tem uma capacidade inata para se rechear de capítulos que criam e alimentam a paixão de adeptos.
Quando a Dinamarca entrou em campo para a final do Euro 1992, a 26 de Junho em Gotemburgo, havia duas auras contraditórias em campo. Por um lado, o grupo de quem confiava que a surpresa ia chegar até ao fim porque estava destinado. Por outro, os mais pragmáticos sentiam que as histórias não têm de ter todas um final feliz e a campeã mundial, Alemanha, ia prová-lo com a ajuda de uma geração temível que incluía Karl-Heinz Riedle, Matthias Sammer e Jürgen Klinsmann.
Menos de quatro semanas antes, as hipóteses da Dinamarca nem sequer existiam. Era impossível. Literal e completamente impossível. Por um simples motivo: a selecção de Richard Moller Nielsen tinha falhado a qualificação no grupo 4. Com seis vitórias em oito jogos, os dinamarqueses só tinham vacilado em casa com a Jugoslávia (0-2 com golos de Bazdarevic – o actual seleccionador bósnio – e Jarni) e fora na Irlanda doNorte (1-1). À conta disso, os jugoslavos eram até 31 de Maio de 1992 a selecção apurada, graças a um ponto de diferença.
A guerra na Jugoslávia tratou de impedir essa presença. A 30 de Maio, as Nações Unidas impuseram sanções ao país e no dia seguinte foi a vez de a FIFA suspender a selecção jugoslava, impedindo que jogadores como Darko Pancev, Predrag Mijatovic, Sinisa Mihajlovic e Dejan Savicevic actuassem no principal palco europeu. A Dinamarca surgiu como a alternativa natural, como segunda classificada do grupo. Por muito que os jogadores não estivessem preparados para participar numa fase final, não estavam necessariamente de férias, uma vez que havia um jogo particular para disputar contra a Comunidade dos Estados Independentes do pós-União Soviética. A CEI, isso sim, tinha presença garantida na fase final, mas no grupo B, com Holanda, Alemanha e Escócia.
Ninguém acreditou que a Dinamarca pudesse chegar longe. Ao empate com a Inglaterra (0-0) seguiu-se a derrota com a anfitriã Suécia (0-1) e um cenário de desvantagem para a terceira jornada contra a França. Os gauleses orientados por Michel Platini só precisavam de um empate mas não conseguiram o objectivo. Depois de Henrik Larsen marcar aos oito minutos, Jean-Pierre Papin empatou para a equipa de Laurent Blanc, Didier Deschamps e Eric Cantona aos 60’. A pressão estava do lado dinamarquês e a aposta de Moller Nielsen acertou em cheio: Lars Elstrup saiu do banco seis minutos depois do golo de Papin e precisou do dobro (12) para decidir o jogo.
A surpresa estava a ser feita mas era apenas o primeiro capítulo. A Holanda de Van Basten, Bergkamp, Gullit, Rijkaard, Koeman e companhia caiu nas meias--finais – nos penáltis – e já só faltava mesmo o derradeiro jogo, os 90 minutos que separavam um feito impressionante de um imortal. A Dinamarca conseguiu. Numa equipa com Peter Schmeichel e Brian Laudrup como figuras nucleares, as estrelas das finais foram outras: John Jensen e Kim Vilfort. O primeiro por inaugurar o marcador (18’), o segundo por decidir a final (78’)depois de um autêntico carrossel de emoções nos dias anteriores. A filha de sete anos de Vilfort estava gravemente doente, hospitalizada com leucemia, e o pai fez questão de estar junto dela.
Line Vilfort morreu pouco tempo depois do fim do torneio mas deixou para trás um pai herói. “Não podíamos falhar porque não havia expectativas. Se perdêssemos os três jogos por 5-0, não seria importante”, afirmou, elogiando o carácter do grupo. “Tínhamos um espírito fantástico. A equipa queria ganhar e isso é importante ao mais alto nível. Quando a Alemanha nos pressionou, foi esse espírito que fez a diferença. Podíamos não ter os melhores jogadores, mas a melhor equipa era a nossa”, disse à BBC.
UMA FINAL e duas novatas O historial de Suécia, Ucrânia e Eslovénia não é tão forte mas a selecção escandinava pode dizer que esteve a um pequeno passo de se antecipar à Dinamarca no primeiro grande título para a região. Mais uma vez, numa prova em que foi a anfitriã – o Mundial 1958.
Jogar em casa ajudou, mas não tanto como poder contar com estrelas como Nils Liedholm e Kurt Hamrin. Ao passeio confortável na fase de grupos, seguiu–se um 2-0 à União Soviética e um 3-1 à RFA. A final estava garantida, faltava superar um Brasil sedento pela conquista do primeiro título mundial e com um tal Pelé. O golo de Liedholm aos quatro minutos fez sonhar mas o escrete caminhou para a goleada (5-2), com dois de Vavá, dois de Pelé e um de Zagallo.
Ucrânia e Eslovénia não têm tantos motivos e ainda estão a dar os primeiros passos nos grandes palcos, até porque não existiam enquanto selecção até à década de 90. Para a Ucrânia, poderá ser a primeira qualificação para a fase final de um Europeu, uma vez que em 2012 participaram como anfitriões. Antes, em 2006, atingiram os quartos-de-final na primeira participação num Mundial, sendo afastados pela Itália (0-3).
A Eslovénia tem dois Mundiais e um Europeu mas nunca saiu da fase de grupos. No Euro 2000 e no Mundial 2002 nem um triunfo somou, em 2010 ameaçou os oitavos-de-final, mas perdeu com a Inglaterra na terceira jornada, depois de um histórico triunfo (1-0 à Argélia) e um empate (2-2 com os EUA).
Ucrânia-Eslovénia, 17h00, e Suécia-Dinamarca, 19h45, na Sport TV1