São desafios a enfrentar com frieza, tendo presente o necessário equilíbrio entre os efeitos da ameaça e os efeitos da resposta à ameaça. O mesmo sucedeu antes em Nova Iorque, em Londres ou em Madrid, para enumerar apenas alguns exemplos mais recentes, já que o passado é fértil noutros exemplos e, temo, o futuro infelizmente não o será menos. Viver sob a ideia permanente da construção de um inimigo, como já há anos disse Umberto Eco, não desaparecerá, e haverá muitos, talvez cada vez mais, que assim continuarão. Estes acontecimentos são disso eloquente exemplo e quem se pensa estar por detrás deles faz dessa lógica de construção do inimigo uma razão de viver (e de matar), com a agravante de atacar de surpresa, indiscriminadamente e no território do “inimigo” que construiu e elegeu, com isso provocando um aumento exponencial das sensações de insegurança e de terror.
O que nos leva para os desafios que nos são colocados, e que se prendem com a reacção a isto, quer reacção repressiva quer preventiva. São três as questões principais que nos desafiam. 1. Responder ou não? 2. A responder, como? 3. E em que medida? A resposta à primeira questão parece-me que não pode deixar de ser afirmativa. Não creio que seja possível qualquer tentação ou afirmação de princípio no sentido de um pacifismo a todo o custo, nem suportável a ideia da bondade de dar a outra face ou dos efeitos potencialmente apaziguadores da não reacção. Trata-se, salvo o devido respeito por opinião diferente, de um lirismo inconsequente (mesmo quando motivado pelos melhores princípios), cujos efeitos já vimos muitas vezes no passado (recordemos, para dar só um exemplo, as movimentações na Europa em 1938 e 1939), e tanto mais inconsequente quanto mais levarmos em conta a dimensão da ameaça e as suas características, num tempo em que o perigo pode estar em todo o lado e pode aparecer a qualquer momento. Nada fazer não parece poder ser a solução, a não ser que acreditemos que a superioridade moral da não reacção trava a ameaça (e julgo que não acreditamos) ou, pior, que nos queiramos vergar (e julgo que não queremos).
O que nos leva para as questões do como e do quanto da reacção, que são as questões mais importantes, mas também as mais difíceis e as que reclamam maior frieza. Não sei, evidentemente, responder, nem creio que ninguém saiba fazê-lo individualmente. A resposta tem que ser necessariamente colectiva, mas creio que a mesma tem que assentar numa ponderação muito séria entre a eficácia e os efeitos da reacção, quer repressiva, quer preventiva. Há que reagir com eficácia, naturalmente, e para isso haverá que perseguir, por um lado, que combater, por outro, e que tentar prevenir, também. O que passa pela perseguição penal, pelo combate pelas armas, pelo trabalho de intelligence e/ou pela atenção aos temas geoestratégicos, et cetera. Mas também tem que ser uma reacção que preserve, nos meios e nas armas que usa, o essencial do nosso modo de viver e daquilo a que chamamos a nossa civilização, sob pena de a cura matar – embora de uma outra forma – tanto ou mais que o mal que visa erradicar.
Dizendo de outro modo, julgo que não se pode reagir ao terror com outra forma de terror, pois isso seria de certa forma a vitória da ameaça que enfrentamos e queremos combater, assim se trazendo para dentro do nosso modo de vida um terror de tipo concentracionário. E, se assim fosse, então quem elegeu o nosso modo de viver como “o inimigo” teria ganho de uma certa forma, pois destruiríamos a nossa identidade através da reacção a essa ameaça. O problema, em suma, não é outro senão o eterno problema do equilíbrio entre a liberdade e a segurança. Ou melhor: o problema de saber a favor de qual dos dois deve ocorrer desequilíbrio e até onde pode ele ir, quando ameaças como esta impõem que se coloque em causa esse já de si difícil e precário equilíbrio. Por isso a frieza e a ponderação são imprescindíveis, e nessa ponderação terá sempre uma enorme importância olhar para o passado e para as suas lições.