O ministro da Administração Interna, que tutela as polícias, anunciou ontem a criação de um grupo de trabalho para rever os planos de prevenção do suicídio nas forças de segurança. Da estrutura, coordenada por um representante da tutela, farão parte elementos de cada uma das polícias.
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Calvão da Silva chamou o director nacional da PSP e o comandante-geral da GNR para debater o recente aumento de suicídios nas duas instituições: em menos de duas semanas, registaram-se quatro casos, três deles na PSP. E só desde Janeiro, 12 polícias puseram termo à vida. O ministro deu ordens para que o grupo de trabalho apresente, num prazo máximo de 30 dias, um relatório preliminar sobre o que existe em termos de prevenção e os motivos que poderão explicar os suicídios.
Também ontem, o director nacional da PSP convocou os dez sindicatos da polícia para debater o problema. A reunião durou três horas e meia e o superintendente Luís Farinha mostrou-se “preocupado” com o aumento do fenómeno, tendo anunciado a contratação de mais psicólogos para os gabinetes de psicologia da PSP. Ao que o i apurou, o director nacional aproveitou para pedir ajuda aos sindicalistas, apelando a que estejam atentos nas esquadras e sinalizem situações de risco. Durante a reunião, Luís Farinha não se livrou das críticas dos sindicatos, que se queixaram da “arrogância” de alguns comandantes de esquadra, do excesso de trabalho, do corte “constante” de folgas, das reduções salariais aplicadas aos agentes desde 2011 e do “excesso de processos disciplinares” que têm sido instaurados na polícia.
Polícias em risco Desde 1998, e segundo um levantamento da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP), 67 agentes da PSP cometeram suicídio. E, de acordo com a GNR, desde 2001, mais de 60 militares puseram termo à vida – quase metade (25) nos últimos cinco anos. Em Portugal, o fenómeno só foi estudado uma vez, por duas psiquiatras do Hospital de Leiria que, este ano, se debruçaram sobre o suicídio na GNR – concluindo que 15% dos militares já pensaram em matar-se. Mas o fenómeno tem sido longamente estudado noutros países e os especialistas colocam os polícias, a par dos militares, na lista de grupos de risco.
“Estamos a falar de pessoas que têm acesso facilitado a armas de fogo e de populações constituídas sobretudo por homens”, explicou ao i uma das responsáveis pelo estudo sobre a GNR. A psiquiatra Susana Pinto Almeida acrescenta que, apesar de as mulheres tentarem mais vezes, são os homens quem mais concretiza o suicídio, até porque escolhem, por norma, meios mais violentos. A médica recorda, por outro lado, o “estigma que existe em relação à depressão” em ambientes militares e policiais – que ainda são muito masculinizados –, levando a que não haja recurso à ajuda médica.
Por isso, e aquando da divulgação do estudo, em Abril deste ano, Susana Pinto Almeida pediu à GNRmais atenção para o problema, defendendo o investimento num “apoio psicológico eficaz”, na avaliação psicológica regular de todos os militares e na criação de consultas de proximidade e de gabinetes no terreno.
Psicólogo só em Lisboa Mas a realidade da GNR é bem diferente. O presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG) conta que as consultas de psicologia que a GNR disponibiliza só existem em Lisboa. E, até Abril deste ano, os guardas da zona do Porto que precisassem de um psicólogo eram transportados em grupo, num autocarro, até à capital. “Uma solução que acarretava um grande estigma, e pouco cómoda para quem precisa de ajuda”, descreve César Nogueira, que denunciou o procedimento no início deste ano, num congresso na Batalha. A seguir à denúncia, os militares passaram a fazer a viagem de carro, mas o problema de fundo, diz o presidente da APG, mantém-se: continua a não haver consultas noutros pontos do país.
Contactada pelo i, a GNR começa por explicar que os militares têm à sua disposição “diversos mecanismos de apoio”, como uma linha de “apoio psicossocial” que funciona 24h/dia e é assegurada por uma equipa de sete psicólogos. O comando-geral garante que existem dois psicólogos num centro clínico do Porto e outros quatro no de Lisboa, e acrescenta que estas equipas de psicologia estão “disponíveis para deslocações” por todo o país, sempre que seja “aconselhada a sua presença nos locais”.
A PSP também já criou uma linha de prevenção do suicídio e, ao contrário da GNR, tem equipas de psicólogos em todos os comandos do país. Só no ano passado, garante a direcção nacional, foram feitas mais de 10 500 consultas de psicologia.
Porque se suicidam Ainda assim, o presidente do Sindicato Unificado da Polícia (SUP) diz que não chega: “É preciso resolver os problemas de fundo, que têm a ver com o comportamento de algumas hierarquias intermédias que, além de não valorizarem o trabalho dos agentes, aplicam arrogância e actos de humilhação nas esquadras.” Peixoto Rodrigues defende que este factor, conjugado com os cortes salariais aplicados aos polícias desde 2011 e que conduziram muitas famílias “ao desespero”, poderá estar na origem do aumento de casos.
Já o presidente da ASPP atribui o problema à “pressão cada vez maior que é colocada aos polícias” para que atinjam “resultados e números”, numa altura em que há “falta de efectivo”. Paulo Rodrigues acrescenta que o “clima de instabilidade interna” que a PSP tem vivido e as “expectativas goradas” de progressão na carreira têm contribuído para a desmotivação dos polícias. Além disso, a maioria dos polícias vivem afastados das famílias, o que causa “solidão” e desestruturação familiar. Na GNR, o ambiente não é muito diferente, e César Nogueira pede uma cultura de maior abertura aos militares que experimentem sintomas de depressão: “As hierarquias têm de deixar de assumir um papel punitivo.”
Quer na GNR quer na PSP, a maioria dos polícias prefere não recorrer aos gabinetes de psicologia. “Na GNR ainda há um grande estigma e alguma vergonha de ir ao psicólogo”, admite o presidente da APG. Peixoto Rodrigues, da PSP, confirma que na polícia também há reservas: “Muitos agentes desconfiam dos gabinetes de psicologia, por temerem que haja troca de informações com os comandantes das esquadras.” Por isso, militares e agentes optam por pagar consultas de psicologia e de psiquiatria no privado, suportando os custos.