No próximo ano passam 130 anos sobre o nascimento de Raul Leal, uma figura peculiar e muito ignorada da nossa literatura. Dei-me tardiamente à leitura de “Sodoma Divinizada”, que me seduziu naquilo que nos transporta ao tempo de uma geração única, moderna, inconformada (Leal foi colaborador da “Orpheu”, da “Centauro”, da “Portugal Futurista”…). Pouco depois encontrei por acaso num alfarrabista o ensaio “Liberdade Transcendente”, o tal que suscitou a ira de Leonardo Coimbra, muito menos famosa do que a sequente defesa da honra de Leal por parte de Fernando Pessoa. Era bom que o país que passou a ferro o centenário de Raul Leal pudesse agora redimir–se um pouco, na passagem dos seus 130 anos.
Por mais estranho e contraditório que pareça, e só aparentemente seria, Jorge de Sena correspondeu-se muito com ele e ambos desfrutaram de uma real afinidade, provavelmente iluminada pela força especulativa e agitadora de Leal, face à busca constante, por parte de Sena, de uma razão crítica livre e informada. E também pela afinidade evidente na finura, gosto e delicadeza no trato epistolar. Leal era tido como menor, algo exótico, marginal ao sistema, e Sena, do Brasil, escrevia-lhe assim em 1960: “Há--de concordar – e ria-se um pouco, interiormente – que aquilo que tem dito e continuará dizendo, nem no tom, nem na ideologia, nem no que agita, é conveniente, pelo visionarismo, à chamada paz das famílias… Os filisteus e os fariseus…há um dentro de cada homem, mesmo quando faz um esforço muito grande para suprimir o horror ao espírito, que é desassombro e coragem.” Sim, dá vontade de ler mais.
Escreve ao sábado