Desemprego. “Estão a gozar connosco”


Os nomes são todos verdadeiros e dar a cara também deixou de ser problema. Hoje, ao contrário do que muitos sentiam há uns anos, estar no desemprego não é vergonha nenhuma, porque, como disse um dos entrevistados, já “não é só um ou outro, são todos!” Na realidade, todos não são, mas a taxa de…


Os nomes são todos verdadeiros e dar a cara também deixou de ser problema. Hoje, ao contrário do que muitos sentiam há uns anos, estar no desemprego não é vergonha nenhuma, porque, como disse um dos entrevistados, já “não é só um ou outro, são todos!”


Na realidade, todos não são, mas a taxa de desemprego atinge os 15,2%, a mais alta de sempre, com tendência para subir. Quem está fora do mercado de trabalho tem mais dois denominadores comuns: não tem dinheiro e sente-se inútil.


Sónia Torres tem 42 anos e é mãe solteira de um filho de seis anos. Um negócio que não deu certo, do qual era sócia gerente, impediu-a de se candidatar ao subsídio de desemprego – “apesar de sempre ter pago impostos e Segurança Social”, lembra. Sem nada, restou-lhe o recurso ao rendimento social de inserção: o Estado dá-lhe 184 euros mensais.


Há poucos dias recebeu uma carta do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) da sua área de residência, Sintra. Estava esperançada. Convocavam-na para uma reunião nas instalações da paróquia do Algueirão, mesmo ao pé de onde vive, o ideal para quem não tem transporte próprio. A desilusão chegou depois. Afinal não lhe tinham encontrado emprego. Numa sala com mais de 20 pessoas de diferentes faixas etárias e com as mais diversas habilitações literárias, a proposta era para uma acção de formação profissional que, a não ser aceite, implica a perda de qualquer subsídio. “Tivemos de falar em público e ficámos todos a saber a vida uns dos outros. Não houve qualquer respeito pela privacidade dos presentes e uma rapariga levou os quatro filhos e esteve a amamentar um bebé enquanto decorria a entrevista. Um senhor, que foi na vez da mulher, contou, aflito, que ela estava de baixa, grávida, e ficámos a conhecer em pormenor a vida do casal”, descreve Sónia Torres, impressionada.


“Eu não quero mais formação, quero trabalhar!”, diz. Ainda por cima, a acção modular obrigatória, de 50 horas, não é paga. E em que área e onde será, quis saber Sónia – que até estava interessada em fazer comida para fora e por isso um curso de culinária vinha a calhar? Isso ninguém sabe, apenas quando receberem a carta em casa, que, de acordo com a informação dada, “pode ser daqui a 15 dias ou dois meses”. Ah, e curso de culinária nem pensar, que “tem habilitações a mais”.
As pessoas sentem-se maltratadas pelos centros de emprego. À pergunta o que é que o seu centro de emprego já fez por si, a resposta de Miguel, que trabalhou durante anos numa empresa de construção civil que foi à falência, foi clara: “Nada!”


E não é o único que pensa assim. “Estão a brincar connosco!”, diz para o grupo. Vladimir e Rui Pires pensam da mesma maneira. Rui até chegou a receber ofertas de emprego, “mas os salários são muito baixos e as condições difíceis, uma era no Norte e outra era um turno da noite, ambas com valores muito baixos”. Miguel recebe 300 euros e está desejoso de voltar para a Austrália. Rui Pires recebe 503 euros. Como sobrevivem? O primeiro vai fazendo biscates em casas de amigos, o segundo, casado e com dois filhos, conta com a ajuda da família.


Às 11 horas da manhã, o Centro de Emprego da Conde Redondo tinha cerca de 30 pessoas para atender. Maria Luísa Teixeira é uma habituée e todos a tratam por Luisinha. Foi durante 20 anos delegada de informação médica dos Laboratórios Azevedos e está no desemprego desde 2008. Graças aos descontos que fez ao longo da sua carreira tem um subsídio de 1257,60 euros – “que acaba em Novembro. Isto tira-me horas de sono”, diz.


Aos 52 anos, Luísa não quer estar parada. “Eu tenho de me sentir útil. Já fiz várias formações e trabalhei durante 11 meses e 27 dias ao abrigo dos antigos POC, programas ocupacionais”. Foi lá que conheceu Paula Marques, de 55 anos. As duas estiveram a trabalhar no serviço de Finanças Lisboa 2, com mais seis pessoas. Quando chegaram à repartição ouviram “muitas bocas, do género, ‘chegaram os desempregados’. Mas o nosso chefe era fantástico e aprendemos imenso, foi muito positivo”.


Paula Marques vai agora participar num novo POC, desta vez na Segurança Social. Começa segunda-feira e Luísa, que foi quem a desafiou a sair de casa, deseja-lhe sorte. “Fico a receber 336,30 euros por mês”, explica Ana Paula. O subsídio a que tem direito, mais 35 euros de passe social, 4,27 euros de subsídio de alimentação e 84,83 euros por causa do POC. “O valor agora é igual para todos, em vez de ser em função do subsídio, o que é muito mais justo”, diz Paula.


Luísa ri-se e diz que pelos vistos “só o Estado é que está a contratar”. E como é trabalhar no Estado, Luísa? “Trabalha–se muito pouco e em geral muito devagar. Eu já tinha uma ideia, mas depois da experiência é que percebi a diferença entre sector público e privado. Mas também há os que são muito bons trabalhadores, como o que foi meu chefe, e que tinha só 35 anos.”
Na ponta oposta, em Cascais, a situação no centro de emprego era caótica ao início da tarde, já com dois dos quatro serviços encerrados. Passava das 15 horas e Patrícia Gonçalves, que chegou às 10 da manhã, ainda não tinha sido atendida. Mais de 70 pessoas na sala de espera e em atendimento e outras tantas a fazer horas, pelas ruas da vila.


Patrícia diz que o serviço é “péssimo”. Tem 32 anos e está ali para suspender o subsídio de desemprego, que recebe há três meses. “Até já dormi no carro.” Vai para a Austrália fazer uma pós-graduação em Marketing, em Melbourne. Trabalhava numa multinacional farmacêutica há dez anos e meio e quer garantir que poderá continuar a receber os seus 1048 euros, o escalão máximo desde Março, caso alguma coisa corra mal e tenha de regressar. Para já, não está a pensar nisso e depois pensa “procurar alguma coisa pela Europa”. O curso custa 22 mil dólares e conseguiu uma bolsa de 2 mil dólares. Tem visto até Agosto e pode até trabalhar, mediante determinadas condições. “Os outros países não são tão fechados e valorizam mais a experiência”, diz.


Rui Tavares, 30 anos, também se vai embora, mas não para tão longe. “Vim pedir a transferência para Idanha-a-Nova, de onde venho.” Acha que há lá mais oportunidades de emprego? “Tenho a certeza.” Trabalhou oito anos na Johnson & Johnson, até a empresa fechar o seu departamento. Agora acredita que pode fazer qualquer coisa na área agrícola.


O pior é que “o que os centros de emprego fazem fica muito aquém do que poderiam fazer. A situação do país também não ajuda, mas os organismos públicos não estão articulados uns com os outros. Por outro lado, arrisca-se menos do lado da procura e do lado da oferta”, considera Rui Tavares. Para Rui, os centros falham no papel de intermediários e na oferta de formação: “Não há uma política de emprego em Portugal.”


O sorriso é tudo o que lhes resta. E esconde preocupações, neuras e anseios. À porta dos centros de emprego do Instituto de Emprego e Formação Profissional todos querem a mesma coisa: um emprego com o seu nome.