Nadia Comaneci. Yes Sir, That’s My Baby!


Os Jogos Olímpicos de 1976 tinham arrancado na véspera. Naquele domingo começam as provas de ginástica artística feminina e o mundo tem os olhos postos nas candidatas às medalhas. Uma delas tem apenas 14 anos e vem de uma aldeia longínqua dos Cárpatos, aquelas montanhas altas na Roménia. O seu corpo de metro e meio…


Os Jogos Olímpicos de 1976 tinham arrancado na véspera. Naquele domingo começam as provas de ginástica artística feminina e o mundo tem os olhos postos nas candidatas às medalhas. Uma delas tem apenas 14 anos e vem de uma aldeia longínqua dos Cárpatos, aquelas montanhas altas na Roménia. O seu corpo de metro e meio e menos de 40 quilos e os seus olhos escuros nunca se viram rodeados de tanta atenção. Treinadores, intérpretes, polícia, jornalistas – Nadia está sempre rodeada de gente. E a atenção compensa: logo na jornada de estreia, a jovem romena vai fazer história na competição.

No Montreal Forum, as grandes atletas preparam-se para as qualificações, que serão disputados daí a dois dias. Sempre seguida pela televisão está Olga Korbut, a grande favorita e representante da União Soviética. Mas não é só entre ela e Nadia que as coisas se decidem: há a russa Ludmila Turischeva, a poética Nellie Kim e a infantil Maria Filatova, da URSS, a exuberante Teodora Ungureanu, da Roménia, a loira Carola Dombeck, da RDA, e a elegante Marta Egervari, da Hungria. Todas elas são fortes candidatas às medalhas e todas são mais velhas que a pequena Nadia. Nem por isso ela se sente intimidada.

O primeiro exercício é o solo. Cada atleta faz a sua coreografia, acompanhada por uma música tocada ao piano. O exercício de Nadia faz-se ao som de “Yes Sir, That’s My Baby”, música que Sinatra cantou em tempos. Os treinadores masculinos são impedidos de estar no local, por isso apenas se vêem mulheres: juízes, assistentes, atletas. A única excepção são os homens que tocam as músicas no piano que se cumprimentam quando cada um acaba de tocar uma canção, quase como os treinadores a darem palmadinhas nas costas das suas ginastas. A “Yes Sir, That’s My Baby”, banda-sonora perfeita para todo este dia, acaba. Comaneci teve um bom exercício e recebe boas notas. As atletas alinham-se para passar ao aparelho seguinte, todas jovens e miúdas, umas Lolitas imaturas. Nadia sorri e acena como Bela Karolyi, o seu treinador, lhe ensinou.

A seguir são as barras assimétricas. Nadia, de maiô branco e fitinha presa ao rabo de cavalo castanho, segue para lá. O que acontece depois é impressionante: em 23 segundos, Nadia roda o corpo, faz saltos pak (salto da barra mais baixa para a mais alta), parafusos, saltos tkachev, tudo e mais alguma coisa em alta velocidade, um mortal para a saída e aterra. O júri concorda que a prova não teve falhas. Chama Daniel Baumat, o responsável pelos placares electrónicos da Swiss Timing, e explica o problema: os juízes querem dar um 10, mas sabem que o placar não está preparado para isso. Pouco depois, o placar mostra uma simples pontuação de 1,00 e a multidão de 18 mil pessoas (algumas com bilhetes de 200 dólares) faz um barulho ensurdecedor. É o primeiro 10 na história da ginástica. A delegação soviética protesta e Nadia responde à letra. “Eu sei que não tive falhas. Já fiz isto 15 vezes.”

Mas o momento mais alto ainda está para vir: a trave olímpica, com pouco mais de 2 decímetros de largura. A pequena-grande Comaneci faz 90 segundos inesquecíveis, entre saltos, penas para cima, piruetas, um Valdez (uma espécie de flic-flac que começa sentado), cada movimento executado com uma elegância e uma calma que poucos viram e que realça a técnica com que os faz. 10, 10, mais do que merecido 10, no aparelho mais difícil de toda a ginástica.

No final do dia, alguns acusam Nadia de parecer pouca divertida quando está ali. Mas o que sobressai para todos é o seu encanto natural. Não é teatro, não é um sorriso falso para o júri e para o público. É seriedade no momento mais importante da sua vida. E sem falhas.