São os loucos anos 20. De cronómetro na mão e uma mochila carregada de pedras às costas, Paavo Nurmi sempre correu mais rápido do que os excessos de tempo dele. Introvertido e solitário, não por orgulho, mas porque era assim que ganhava títulos, aprendeu a treinar com uma dedicação nunca antes vista. Durante aquela década, foi um dos atletas mais ilustres, a figura desportiva que mais deu que falar e que mais tinta fez correr. Andou na boca do mundo nos Jogos Olímpicos de Antuérpia (1920), mas é em Paris, quatro anos depois, que fica para a História como o célebre “Finlandês Voador”.
Convencido de que uma má orientação técnica lhe tinha custado o ouro dos 5000 metros na Bélgica, Paavo decide, dali para a frente, passar a correr à maneira dele. Com um cronómetro, traça metas durante os treinos, tempos que pensa serem suficientes para os próximos Jogos Olímpicos (Paris) e estabelece um rigoroso regime de treino. Em três anos, transforma-se num fenómeno da modalidade, o maior candidato ao ouro olímpico. Aumenta a intensidade dos treinos e, quando o pódio está mais próximo do que nunca, o impensável acontece. A poucas semanas de Paris, Paavo cai durante uma prova e lesiona-se no joelho. Mas esse seria o menor dos problemas dele.
No Verão de 1924, o calor em Paris é insuportável. Paavo recupera a tempo para as provas de qualificação mas vê a organização marcar as finais dos 1500 e 5000 metros para o mesmo dia, com um intervalo de uma hora. O finlandês aceita o desafio – um mês antes tinha testado o calendário olímpico e batido o recorde do mundo nas duas distâncias. Agora, na linha de partida para os 1500 metros, espera alcançar a vitória sem grande esforço.
Soa o sinal e Paavo sai disparado. Acelera em direcção à meta e passa a marca dos 800 metros quase três segundos mais cedo do que o tempo que havia registado quando estabeleceu o recorde do mundo. A acompanhar-lhe o passo, apenas o norte-americano Ray Watson, que acaba por desistir antes da última volta. A 300 metros do fim, o finlandês abranda o ritmo e consegue uma vitória fácil. Conquista o ouro com um tempo de 3 min 53,6 s, apenas um segundo mais lento que o recorde do mundo. Enquanto o resto do grupo luta pelos últimos lugares do pódio, Paavo prepara-se para a final dos 5000 metros.
Mesmo com o calendário das provas suavizado, a partida para os 5000 metros acontece pouco menos de duas horas depois do primeiro ouro do finlandês. Desta vez, Paavo entra na pista com um ar grave e concentrado. Ao lado, o compatriota Ville Ritola, que já havia conquistado o ouro nos 10 000 e nos 3000 metros barreiras. É a primeira vez que se encontram na pista olímpica, mas as atenções são desviadas para outro “finlandês” – Edvin Wide, que corre pela Suécia embora tenha nascido na Finlândia. Wide não consegue manter o ritmo inicial e quando abranda o passo, Paavo e Ritola agarram o comando da prova. O coração do público dispara na última volta. Os dois finlandeses estão lado a lado, mas é Nurmi, de cronómetro na mão, quem acaba por cortar a meta com um tempo de 14 min 31,2 s e um metro de diferença para o colega. Paris não quer acreditar: duas medalhas de ouro em três horas.
Dois dias depois, Paris está a suar em bica. No dia mais quente desse Verão, as temperaturas chegam aos 45°C ao sol. É a final da prova de corta-mato (10 000 metros) e não há uma única sombra ao longo de todo o percurso. Na frente, os suspeitos do costume. Depois de 4,5 quilómetros, os finlandeses deixam Edvin Wide para trás e voltam a disputar o ouro. Paavo (novamente Paavo) cruza a linha de chegada com pouco mais de um minuto de avanço sobre Ritola. Não parece cansado, ainda que, devido à onda de calor, apenas 15 dos 38 atletas inscritos na prova tenham conseguido terminar. Poucas horas depois vence a mesma prova por equipas. Com muitos atletas ainda no hospital devido às altas temperaturas, a dupla de “Finlandeses Voadores” prepara-se para outra final olímpica. Desta vez, os 3000 metros por equipas. Paavo termina na frente, Ritola em segundo. A campanha olímpica chega ao fim. Sobre as cinco medalhas em seis dias de provas, a revista francesa “Miroir des Sports” escreve: “Paavo Nurmi vai além dos limites da humanidade”.