© Antonio Pedro Santos
Escrevem os manuais e resulta das biografias dos ilustres que o acerto na política depende, em grande medida, da intuição e da lucidez. Corresponde ainda às leituras que a assunção das limitações políticas pode ser boa conselheira nos momentos da decisão. Intuitivo, como sempre se revelou, António Costa, no decurso final da campanha eleitoral, terá tomado a opção de mudar o paradigma. Tomando a consciência de que não ganharia as eleições, mas igualmente certo de que a coligação não teria maioria absoluta, ainda se bateu pelo melhor resultado possível.
Lúcido, compreendeu que a sua manutenção no partido e no país implicaria entrar na casa das máquinas da esquerda e lutar por um programa mínimo de entendimentos com BE e PCP. Quando anunciou, na ressaca do escrutínio eleitoral, os quatro pilares desse catálogo mínimo na noite suada do Altis, estava já a falar para os partidos à sua esquerda. Estaria Costa sabedor, desde logo nesse palco tão imediato, das suas próprias limitações políticas?
Isto é, estaria Costa consciente da viragem que iria incutir na história do partido e no risco de disseminação do seu eleitorado pelas forças políticas que só podem crescer com o decréscimo da força do PS? Agora que se percebe que os acordos políticos nunca antes alcançados não são uma festa anunciada – pois ver o presidente do PS a “ameaçar” PCP e BE apenas pode querer anunciar que os noivos não estavam assim tão “apaixonados” quanto isso –, será que Costa compreende que a viragem não está traduzida em questões técnicas?
Não passa pela reposição dos salários públicos, mudança de rumo nos impostos sobre os rendimentos e o património, abdicação de TSU, revalorização de pensões/reformas/subvenções sociais ou estadualização de empresas. Por tudo isso, nós já passámos. E voltaremos a passar –, tanto mais que os processos de reestruturação das dívidas soberanas dos países estão em curso e mudam tudo.
O que se passa agora é política, pura e dura. Acabar com o artificial “arco da governação” a três – passam a cinco –, encerrar as pontes com o “centro-direita”, constituir dois blocos alternativos e excludentes, terminar com o peso decisório do “centro”, enfrentar as “linhas vermelhas” de estruturação do regime. Ser herói pelo fim dos “monopólios” das alianças “com a direita”. E dormir com o “inimigo”, bem aninhado no labirinto dos lençóis.
Francisco Assis demorou algum tempo, mas convenceu-se de que António Costa estava a sério na ruptura. Intuitivo e lúcido, percebeu que este era o seu momento de ficar do outro lado da história. Assis é político e respira política. Sabe que o nosso modelo não favorece maiorias e não premeia a prazo quem fecha portas. Sabe que não crescemos o suficiente para deixar de reformar e poder aumentar dívida.
Sabe que Costa – e os seus aspirantes a ministros – se podem desmoronar no virar da esquina, nomeadamente se o PCP interiorizar o papel de fiel da balança. Sabe que Passos Coelho e Paulo Portas estão disponíveis para um período de “carência” assente em dramatização, vitimização e condenação dos “despesistas”. Sabe que Cavaco Silva se pode recusar a indigitar Costa. E ainda sabe que tudo pode mudar antes se uma dezena de deputados do PS interiorizarem que, falhando Costa, o partido fica mais bem entregue nas suas mãos. Incentivado,
Assis compreendeu que o primeiro dia do resto da sua vida política pode ser no próximo dia 10. Partiu do seu próprio quadro de limitações políticas para encontrar um futuro, uma falange e um programa. É o desafiador que se anuncia.
Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira