Jimmy Morales. O comediante  que é presidente da Guatemala

Jimmy Morales. O comediante que é presidente da Guatemala


A única experiência política que Jimmy Morales possuía até hoje era a de ter interpretado a personagem Neto, um cowboy que por acaso acabou em presidente.


É licenciado em Gestão de Empresas e também tem formação em Teologia, mas dedicou os últimos 15 anos da sua vida a fazer rir os outros. Agora deixou a comédia para se dedicar a um cargo que lhe trará responsabilidades bem diferentes e talvez não tantas risadas: Jimmy Morales é o novo presidente da Guatemala.

No passado domingo, o povo da Guatemala tomou a decisão de mudar o rumo do seu país e elegeu Jimmy Morales seu presidente, com um mandato de quatro anos. Quatro anos de mudança, quatro anos sem corrupção, quatro anos com um ex-comediante que prometeu uma Guatemala melhor ao comando. 

Amparado pelos conhecimentos de teologia, Morales soube conquistar o povo com discursos em que recorre a parábolas bíblicas, lembranças da sua infância e, como não podia deixar de ser, piadas populares. Prometeu dedicar-se de alma e coração a um povo que também é o seu. E foi talvez ser tão acarinhado pelo público que lhe deu a oportunidade de fazer algo melhor, como prometeu, por um país que vive mergulhado na corrupção, numa altura em que o ex-presidente, Otto Pérez, está preso, acusado de liderar uma rede que terá desviado milhões de dólares.

Curiosamente, enquanto comediante, Jimmy Morales já tinha desempenhado um papel de presidente. Neto, o nome da personagem, era um cowboy que teve a oportunidade de se tornar presidente, mas desistiu do cargo para pedir aos eleitores que reflectissem antes de eleger o governo. A série, uma comédia sobre as falsas promessas dos políticos, encaixa na perfeição na conjuntura actual, caracterizada pela insatisfação popular na Guatemala.

O novo presidente do país sul-americano é um homem de ideias fixas. Com um discurso nacionalista cristão, Morales posiciona-se a favor da pena de morte, contra o aborto, o casamento homossexual e a legalização das drogas. Talvez um problema para os cidadãos guatemaltecos defensores de uma política liberal. Mas Morales desvaloriza.

“A Guatemala é conservadora. No total, 93% da população guatemalteca é fortemente cristã e quase metade é evangélica”, disse o ex-comediante, também ele evangélico. “Ganhei pelo voto de protesto e pelo voto de fé. Há uma percentagem muito alta de eleitores dos 18 aos 23 anos que votaram pela primeira vez e confiaram em alguém que estão habituados a ver na televisão. Falaram de mim como comediante, e é verdade. Mas também sou um moralista.

Há um voto de esperança de gente que acreditou em mim, de pessoas que me vêem muito próximo delas e que sabem que, ao contrário da classe política, não nasci em berço de ouro e o pouco que tenho foi suado”, confessou Morales, consciente de que a sua vitória nas eleições representou um voto de protesto de uma Guatemala cansada.

Na sua página oficial do Facebook, o agora presidente conta com quase 743 mil likes e os comentários na sua maioria são encorajadores. Uma prova clara da satisfação do povo guatemalteco. E Morales faz questão de responder a todos eles.

Casado e pai de quatro filhos, o ex-artista procurou durante a campanha eleitoral um contacto próximo com a maioria pobre do seu país e usou a sua história de criança humilde e órfão de pai. Para quem começou a vida a vender bananas e roupas usadas em mercados populares, a ideia de ser presidente da Guatemala era inimaginável. Mas apesar da pouca experiência e das fraquezas políticas, Jimmy Morales conseguiu um excelente resultado.

Para uns terá sucesso, para outros os seus discursos eloquentes e cheios de promessas não convencem. Controvérsias à parte, o certo é que agora governa a Guatemala. E, pelo menos por enquanto, confessa não ligar muito às críticas. “Nunca estudei Arte nem Representação, nem sequer Direcção de Cinema ou Produção. Mas dediquei parte da minha vida à comédia e a experiência que fui ganhando com a vida fez de mim um homem de sucesso com a arte. Tenho sido uma pessoa com liderança. A minha campanha é a prova disso. Com poucos recursos consegui uma liderança genuína. E com o tempo vou aprender a governar melhor”, assegurou numa entrevista ao “El País”.

Ainda assim, confessa que sozinho será impossível governar, e que precisa da ajuda do seu povo. “Um homem não pode resolver sozinho os problemas de uma país. Eu não tenho nenhuma varinha mágica, certo? O que peço é um povo unido e que queira a mudança. Caso contrário não vamos sair do buraco em que estamos”, disse Morales quando venceu a segunda volta das eleições.

E do tal buraco não será fácil sair. Há que restaurar a confiança nas instituições, lutar contra a corrupção, reduzir a dívida e a pobreza num país desanimado e deprimido. Será que o outrora cowboy da comédia está à altura do desafio? Só o tempo dirá. O primeiro passo é que consiga corresponder ao slogan que tão bem destacou ao longo de toda a sua campanha política, “Nem corrupto, nem ladrão”, e fazer jus a todos os votos que no passado domingo o fizeram derrotar, na segunda volta das eleições, a sua principal adversária, a ex-primeira-dama Sandra Torres.

Por enquanto o país da América Central não tem motivos para voltar a rir. Pode ser que, mais tarde, quando (e se) Morales conseguir levantar o seu país, possa voltar ao seu ofício de comediante e fazer rir o seu povo. Certamente a falta do comediante adorado pelo público guatemalteco vai fazer-se sentir.

E, uma vez que a insólita vitória foi conhecida mundialmente, agora todos querem ver se Neto consegue realmente tirar a Guatemala do estado de fraqueza em que se encontra.