Estará a saltar a tampa?


O que parecia, a uma primeira luz, uma enorme conquista para a liberdade e a paz mundial, e a felicidade dos povos, acabou por ser desvirtuado pela ganância absurda do culto pelo dinheiro fácil.


© Boris Grdanoski/AP

A situação da Europa é alarmante, para quem a quiser ver com alguma objectividade. A questão dos migrantes vem agravá-la (e de que maneira), mas não são eles a causa primeira dos problemas que o Velho Continente atravessa. As causas são outras e fáceis de detectar.

Desde a queda do Muro de Berlim, desde “O Fim do Homem Soviético” (será muito útil ler a obra de Svetlana Aleksievitch, último prémio Nobel de Literatura), que o Ocidente (e a Rússia e seus adjacentes) ficou entregue a um capitalismo totalmente desgovernado.

O que parecia, a uma primeira luz, uma enorme conquista para a liberdade e a paz mundial e a felicidade dos povos, acabou por ser desvirtuado pela ganância absurda do culto do dinheiro fácil, transformando muitas economias em verdadeiros territórios mafiosos. A inépcia total da maioria dos estadistas europeus e a dependência que criaram do grande capital fizeram o resto.

Entrámos num período em que, com o aval de governos sem coluna vertebral, se impôs a lei do vale-tudo da finança mundial. Sem ideologias. Dos EUA à China, da Alemanha à Rússia. Veio a crise financeira global, veio a austeridade, vieram as medidas punitivas contra as forças do trabalho, desde o operariado às classes médias, e veio a revolta. Veio o descrédito na classe política, cresceram as abstenções eleitorais, quase desapareceu o centro político – muito também pelas trafulhices e corrupção em que se atolaram os partidos desse centrão –, e o que vemos agora é o radicalismo a impor-se.

Veja-se a Polónia, com a extrema-direita com maioria absoluta, a acrescentar-se a outros governos como os da Hungria e alguns mais, imagine-se o que pode acontecer em França, passe-se pelo caso da Grécia, de Espanha, e julgo que é altura de se começar a ter medo, muito medo. E não se trata de um filme de terror. Mas os filmes de terror do expressionismo alemão explicam muito do que se passou durante o III Reich. 

A invasão dos migrantes, resultado dessa “maravilhosa” Primavera Árabe, que depôs ditadores para abrir a caixa de Pandora do Estado Islâmico, só veio complicar ainda mais a questão e assanhar xenofobias, racismos e nacionalismos extremados.

A panela europeia está a cozinhar em lume forte. Costuma temer-se que lhe salte a tampa e o caldo se entorne. Já Jean Renoir dizia, antes da II Guerra Mundial, que se dançava sobre um vulcão. Como sempre, não serão os capitalistas desbragados e os corruptos a ir para as trincheiras. Mas são eles que estão a dar música de baile. 

Escreve à sexta-feira

Estará a saltar a tampa?


O que parecia, a uma primeira luz, uma enorme conquista para a liberdade e a paz mundial, e a felicidade dos povos, acabou por ser desvirtuado pela ganância absurda do culto pelo dinheiro fácil.


© Boris Grdanoski/AP

A situação da Europa é alarmante, para quem a quiser ver com alguma objectividade. A questão dos migrantes vem agravá-la (e de que maneira), mas não são eles a causa primeira dos problemas que o Velho Continente atravessa. As causas são outras e fáceis de detectar.

Desde a queda do Muro de Berlim, desde “O Fim do Homem Soviético” (será muito útil ler a obra de Svetlana Aleksievitch, último prémio Nobel de Literatura), que o Ocidente (e a Rússia e seus adjacentes) ficou entregue a um capitalismo totalmente desgovernado.

O que parecia, a uma primeira luz, uma enorme conquista para a liberdade e a paz mundial e a felicidade dos povos, acabou por ser desvirtuado pela ganância absurda do culto do dinheiro fácil, transformando muitas economias em verdadeiros territórios mafiosos. A inépcia total da maioria dos estadistas europeus e a dependência que criaram do grande capital fizeram o resto.

Entrámos num período em que, com o aval de governos sem coluna vertebral, se impôs a lei do vale-tudo da finança mundial. Sem ideologias. Dos EUA à China, da Alemanha à Rússia. Veio a crise financeira global, veio a austeridade, vieram as medidas punitivas contra as forças do trabalho, desde o operariado às classes médias, e veio a revolta. Veio o descrédito na classe política, cresceram as abstenções eleitorais, quase desapareceu o centro político – muito também pelas trafulhices e corrupção em que se atolaram os partidos desse centrão –, e o que vemos agora é o radicalismo a impor-se.

Veja-se a Polónia, com a extrema-direita com maioria absoluta, a acrescentar-se a outros governos como os da Hungria e alguns mais, imagine-se o que pode acontecer em França, passe-se pelo caso da Grécia, de Espanha, e julgo que é altura de se começar a ter medo, muito medo. E não se trata de um filme de terror. Mas os filmes de terror do expressionismo alemão explicam muito do que se passou durante o III Reich. 

A invasão dos migrantes, resultado dessa “maravilhosa” Primavera Árabe, que depôs ditadores para abrir a caixa de Pandora do Estado Islâmico, só veio complicar ainda mais a questão e assanhar xenofobias, racismos e nacionalismos extremados.

A panela europeia está a cozinhar em lume forte. Costuma temer-se que lhe salte a tampa e o caldo se entorne. Já Jean Renoir dizia, antes da II Guerra Mundial, que se dançava sobre um vulcão. Como sempre, não serão os capitalistas desbragados e os corruptos a ir para as trincheiras. Mas são eles que estão a dar música de baile. 

Escreve à sexta-feira