Conta-me como foi. Os primeiros passos no admirável mundo do mercado de trabalho

Conta-me como foi. Os primeiros passos no admirável mundo do mercado de trabalho


Já todos os profissionais passaram pelo mesmo: tiveram de lidar com o desconhecido no fim de um curso. Em qualquer época ou área de estudo, com maior ou menor empregabilidade, há dúvidas e desafios a ultrapassar.


Tentou uma, duas, três vezes. E foi assim, por tentativa e erro, que acabou por descobrir o que queria. Ana Gil não teve portanto um percurso exemplar: “Fui fazendo uma aprendizagem com o tempo.” Quem a vê, aos 27 anos a trabalhar como consultora sénior de comunicação na Llorente & Cuenca, não imagina que o seu caminho teve tantos avanços e recuos. Mas foram essas experiências lhe permitiram chegar onde chegou.

Fotografias de Ana BrígidaQuando em 2010 terminou a licenciatura em Comunicação Social e Cultural na Universidade Católica (UCP), resolveu inscrever-se imediatamente no mestrado em Gestão Cultural na mesma instituição. Ao mesmo tempo iniciou um estágio na Culturgest, mas depressa se apercebeu de que esta área lhe traria poucas saídas profissionais.

Meses depois desistia dos estudos, começava a trabalhar na Llorente & Cuenca e entrava num novo mestrado (Ciências da Comunicação, Universidade Nova), mas deixá-lo-ia a meio para se dedicar com afinco à profissão.

Só à terceira seria de vez. Em 2013 encontrava por fim o mestrado que lhe encheria as medidas: de volta à Católica, deixaria temporariamente de trabalhar para se dedicar aos estudos de Comunicação, Organização e Liderança.

Alguns chegaram criticar esta opção de largar o trabalho para investir tudo no primeiro ano de mestrado, mas depois de várias tentativas e experiências Ana “sabia muito bem o que queria”. Era este o caminho a seguir e consultoria de comunicação a profissão que queria ter.

 

APRENDER COM OS ERROS Apesar de não ter acertado imediatamente no alvo, Ana Gil aproveitou todos os fracassos.

“Só consegui chegar aqui porque errei e falhei muito. Se tivesse oportunidade de voltar atrás não mudaria nada.” Mas agora, com maior distanciamento, consegue perceber os medos que viveu na altura, comuns à maioria dos jovens. “Sentimo-nos pressionados para acertar à primeira, sobretudo nesta época de crise.” Só que nem sempre existe maturidade e autoconhecimento suficiente para se saber o que se quer e acaba-se a escolher coisas que não se encaixam no perfil de cada um, avisa.

Ana viveu essas dificuldades, mas nunca desistiu. “A minha maneira de encarar a vida sempre me ajudou a descobrir o que queria: ponho as minhas dúvidas em cima da mesa e partilho-as com os outros.” Família, amigos ou profissionais ajudaram-na nessa missão. Foi isso que a levou a persistir e lhe deu coragem de se apresentar de maneira diferente às empresas – o currículo, construído em forma de história (numa alusão à sua tese de mestrado sobre o papel do storytelling nas empresas), é disso um exemplo.

 

Fotografias de Ana BrígidaA pressão e a crise a que Ana se refere não eram sentidas na época em que Nuno Aguiar terminou o curso. Em 1994, quando terminou a licenciatura de cinco anos em Administração de Empresas, os telefonemas choviam sobre os recém-licenciados. Bons tempos, mas ele, curiosamente, rejeitaria todas as entrevistas de emprego. Não valia a pena, uma vez que dali a dois meses, em Setembro, iria – recém-casado e com a mulher – para uma roça em São Tomé e Príncipe fazer voluntariado durante um ano, através da associação Leigos para o Desenvolvimento.

A escolha era pouco comum na altura, mas julgou que faria sentido pôr-se ao serviço dos outros depois de terminar o curso: “Não havia muita gente a fazer um ano de pausa entre a licenciatura e a entrada para o mercado de trabalho.” E nem sempre as pessoas valorizavam esta decisão.

Nuno recorda um episódio particular que mostra a estranheza que a sua opção causava na altura. Quando regressou de São Tomé e Príncipe e se candidatou à Jerónimo Martins (onde hoje, aos 44 anos, é director da Região Norte), quem o entrevistou na última fase foi o próprio Soares dos Santos. “Quando leu o meu currículo ficou surpreendido com o meu percurso: ‘Então tirou um bom curso, numa boa universidade, e não começou logo a trabalhar?’”

 

ABRIR HORIZONTES A opção revelou-se uma mais-valia na sua vida. “É sempre enriquecedor a nível pessoal, traz-nos novas formas de estar, um contacto com novos mundos, facilidade de adaptação à mudança… Em São Tomé a primeira vez que tivemos electricidade foi passados três meses! São situações que nos mudam como pessoas e, obviamente, acabam por se reflectir a nível profissional.”

Embora nunca se tenha preocupado com a eventual dificuldade em encontrar emprego quando regressasse, Nuno reconhece que quando voltou nada era igual. “As empresas já não me ligavam espontaneamente e fui eu que tive de ir à procura.” Mas encontraria uma saída passados seis meses. O desemprego não era um fantasma tão assustador como é hoje. “Antes a questão que se punha era apenas que curso tirar. Tirávamos esse curso e pronto. Hoje os jovens têm muitas mais questões a que responder.”

 

SÓ LICENCIATURA? Inês Correia que o diga. Desde os primeiros anos na faculdade conhece as dificuldades de trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Licenciada em 2012 em Relações Internacionais (UCP), percebeu que ninguém lhe daria trabalho só com aquelas habilitações.

Tinha apenas conseguido um estágio curricular de três meses no Alto Comissariado para as Migrações e decidiu então tirar um mestrado em Economia Internacional no ISEG.

Fotografias de Ana BrígidaTambém durante o mestrado acabaria por assumir o estatuto de trabalhadora-estudante. Mas desta vez mergulharia numa área que seria a sua porta de entrada para um admirável mundo novo: marketing de conteúdos e redes sociais, na agência Plot. “Se não tivesse ido para esta empresa, hoje provavelmente ainda não saberia o que queria. É uma sorte poder trabalhar num lugar onde acreditam em ti, apostam em ti e te dão formação – e assim descobrir do que se gosta”, conta a economista de 26 anos, agora a trabalhar na ComparaJá, plataforma gratuita de comparação de produtos financeiros.

Ainda assim, não foi fácil terminar o mestrado enquanto trabalhava. Tinha de aproveitar os fins-de-semana e as noites para estudar. Houve dias em que não conseguiu: “Estava muito cansada”, recorda. “E quando tens só a tese para fazer e não tens aulas (e por isso há um horário rígido de saída), parece que não existe uma flexibilidade tão grande por parte das empresas.”

Nem todas as universidades adaptam o seu percurso aos trabalhadores-estudantes, critica Inês, dando conta ainda de outra falha – muitas instituições não preparam bem os alunos para a procura do primeiro emprego. “Podem ser muito competentes academicamente, mas apostam pouco numa vertente mais prática, em diálogo com o mercado de trabalho.”