Estávamos a 23 de Novembro de 2014. José Sócrates tinha sido preso na sexta-feira à noite. A partir daí, depois de os arguidos terem ouvido os indícios, começam os interrogatórios no Tribunal Central de Instrução Criminal. Na sala, Sócrates respondia às suspeitas. Ao juiz de instrução e ao Ministério Público (MP).
A primeira reacção foi negar qualquer responsabilidade. Disse ao juiz de instrução e procurador que o enquadramento geral se baseava em suspeitas que eram falsas e negou ser dono ou dispor livremente de qualquer propriedade ou dinheiro que esteja na posse do seu amigo empresário Carlos Santos Silva.
Não se negou a prestar declarações e foi confrontado com os indícios e até com escutas que suportavam essas suspeitas. A todas foi respondendo, sempre negando a teoria do MP.
Começou por explicar que conhecia Carlos Santos Silva, de quem era muito amigo, há mais de 30 anos, dos bancos de liceu, e que se reaproximaram em 1982 quando trabalhou na Câmara Municipal da Covilhã.
No interrogatório disse ter sabido mais sobre a riqueza do seu amigo através dos indícios relatados pelo MP do que sabia antes.
Um dos pontos que o MP considera o centro de todo o processo, conhecido como Marquês, é a titularidade de Sócrates sobre as verbas que Carlos Santos Silva possuía na Suíça: mais de 23 milhões de euros.
Sócrates negou categoricamente que qualquer parte do dinheiro seja seu. O ex-governante desmentiu ainda que a implementação do regime excepcional de regularização tributária (RERT) durante o seu mandato tivesse alguma coisa a ver com casos particulares.
Sócrates confirmou que passava férias há anos com Carlos Santos Silva, mas afirmou desconhecer que o amigo engenheiro já não estava no grupo Lena, sediado em Leiria, desde 2009. Negou qualquer conhecimento sobre as empresas de Carlos Silva, com excepção da Proengel. Relativamente aos negócios entre Carlos e a família, Sócrates lembra que lhe apresentou o seu irmão José Paulo, mas não conhecia os detalhes dos negócios.
No que diz respeito às Salinas de Benguela, confirmou que o seu tio, pai dos seus primos José Paulo e Maria Filomena, as tinha vendido a Hélder Bataglia, companheiro da prima de quem tinha um filho.
Dos administradores do grupo Lena, explicou que os conheceu numa viagem como primeiro-ministro naquilo que normalmente é designado por diploma-cia económica. E, salvo acontecimentos sociais ou iniciativas políticas, apenas os teria encontrado uma ou duas vezes.
José Sócrates contou que os administradores do grupo Lena lhe pediram que intercedesse junto do governo angolano para desbloquear uma questão que se referia às obras de uma estrada. E, sem qualquer contrapartida, telefonou ao vice-presidente angolano, Manuel Vicente, para se encontrar com ele ou com os administradores de Leiria. Acabou por referir que se encontrou com o governante angolano nos Estados Unidos.
Paris Sócrates nega terminantemente que o apartamento em Paris seja sua propriedade. Na sua versão dos factos, foi para Paris em 2011 e ali acabou por dividir casa com os seus dois filhos, a sua prima Maria Filomena e a filha dela. Depois de ter habitado um apartamento na Avenida Colonel Bonnet, estava à procura de outro apartamento quando o empresário Santos Silva lhe comunicou que queria investir em imobiliário, que iria comprar um apartamento para remodelar e arrendar ou vender.
O ex-primeiro-ministro garante que o amigo lhe disse que lá ficasse e que poderia adiar a venda ou o arrendamento. Sempre lhe transmitiu, referiu Sócrates notribunal, que queria pagar renda e até chegou a fazer um contrato. Mas, reconhece, nunca chegou a fazer qualquer pagamento. Quanto às obras que o MP refere que estiveram a seu cargo, sustentou que estava a ajudar Carlos Silva, até porque é engenheiro civil, estava em Paris e o amigo confiava no seu bom gosto.
Para José Sócrates, o MPapresentou uma estratégia que se baseia numa tese. Tudo o que seja para contrariar a sua tese é, para o Ministério Público, enganar ou esconder.
A primeira hora e meia de uma audição que durou dias.