Nos dias de hoje, viajar no Irão é uma experiência marcante. Depois de 1979, o Irão passou a república islâmica, de maioria xiita, sendo o aiatola Ali Khamenei o actual líder supremo da nação. Não obstante a realização de eleições para o chefe do poder executivo, o presidente, por mandatos de quatro anos – o actual ocupante do cargo é Hassan Rohani, desde Agosto de 2013 –, o sufrágio universal é condicionado pela prévia selecção dos candidatos: tem de ser xiita e previamente aprovado pelo Conselho dos Guardiães, espécie de tribunal constitucional que zela pelo respeito da Constituição à luz da Xaria, “direito” islâmico cuja principal fonte de jurisprudência é o Corão. Não há, pois, separação de poderes, e todas as leis são emanadas dos textos sagrados e das interpretações dos líderes religiosos. Muito mais haveria a dizer sobre os órgãos políticos do Irão – e não são poucos… –, mas por agora fiquemos por aqui.
Os iranianos não são árabes, fazem questão de salientar, e como persas, com língua e escrita próprias, exibem orgulhosamente os testemunhos da sua grande civilização: espantoso património arquitectónico e cultural! Um verdadeiro encantamento! Disso falaremos mais tarde.
A par destas e doutras maravilhas, o povo iraniano revela uma afabilidade e simpatia inexcedíveis e coexiste com um trânsito caótico, sendo o simples acto de atravessar uma avenida um autêntico jogo radical: os automobilistas ignoram pura e simplesmente as passadeiras e os semáforos não dão garantia; os motociclistas circulam velozmente por tudo quanto é lugar, passeios, sentido inverso, o que calhar, e nada nem ninguém, nem mesmo a polícia, parece incomodar-se com isso! Como é possível num país tão populoso, em que nas cidades vivem milhões, em que toda a gente parece irradiar tranquilidade – ninguém grita, ninguém apita –, em que a segurança é total – pelo menos aparenta ser –, semelhante contradição?! É paradoxal ou…? Fica a dúvida. Será o asfalto templo de catarse colectiva? Se o é, porquê? A bonomia e a serenidade dos iranianos foram localmente justificadas pela religiosidade do povo. Será? Supostamente, o islão comanda a vida, a religião é a suprema fonte de inspiração e a lei divina é a razão de todas as coisas. Mesmo o uso do medieval chador, do desconfortável hijab, do insuportável lenço na cabeça – nem as estrangeiras escapam –, tudo “privilégios” da mulher iraniana, tudo isto é aceite com um brilho nos olhos e um sorriso nos lábios?! É a imagem que passa… Espantoso!
Invocando a máxima “vícios privados, públicas virtudes”, pode-se chegar a uma qualquer explicação, hipotética e talvez desacertada. É-nos difícil entender, convenhamos, mas… Fica a dúvida. A Pérsia é terra de poetas, de artistas… O Irão é terra de aiatolas, de ritos ancestrais, de não igualdade de sexos, de pena de morte, de resquícios da lei de talião, etc… É uma república dentro de uma teocracia: o paradigma é outro, sem dúvida. Mesmo assim…
Entre o encantamento e a dúvida fica todo um caminho de tentativa de compreensão do escondido e de deslumbramento pelo mostrado. Depois do louco Ahmadinejad, o anterior presidente, e da ortodoxia religiosa de Khomeini, o anterior líder supremo, o Irão parece querer fugir do isolamento a que se votara. Veremos.
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