Uma sopa de pedra feita em casa de Paula Rego

Uma sopa de pedra feita em casa de Paula Rego


A pintora portuguesa de 80 anos juntou-se à sua filha Cas Willing e reinventaram este conto popular


A história corria mais ou menos assim: era uma vez um frade que andava a pedir esmola para poder ter alguma coisinha para comer. Os aldeões eram todos uns mãos-de-vaca e ninguém lhe dava tostão. O frade espertalhão pegou numa pedra e, perante os olhares curiosos, preparou-se para ferver água só com o seixo lá dentro. “Bom, bom era com um bocado de sal.” E trouxeram--lhe sal. “Bom, bom era com um bocado de azeite.” E trouxeram–lhe azeite. 
A lengalenga segue por aí fora até haver no tacho do frade cebolas, cenouras e até um chouriço. No fim do repasto, com a panela vazia, a pedra é lavada e guardada no bolso do religioso. Como assim?, perguntam os aldeões, indignados. “Guardo-a para a próxima vez que tiver fome.”
Com mais ou menos ponto acrescentado por quem conta este conto, esta história popular portuguesa tem seguido sempre pelo mesmo caminho. Até chegar às mãos da família de Paula Rego. A pintora de 80 anos que vive em Londres juntou-se à sua filha, Cas Willing, e juntas deram nova roupagem à história. 
Em vez do frade, a protagonista passa a ser agora uma rapariga de vestido vermelho e os aldeões conseguem ser ainda mais vis do que no conto tradicional. Também há um pai que acaba por (spoiler alert) morrer de fome e, uma vez na cozinha, a miúda de vestido vermelho, para além da sopa, também sabe fazer o melhor arroz de pedra do reino. E pelo estômago conquista os sacanas da aldeia. Se a filha Cas tornou as esquinas da história mais contemporâneas, a mãe juntou-lhe o seu traço inconfundível e criou 14 pinturas inéditas que, por si só, já são uma narrativa. Tudo junto, o livro torna-se uma pequena obra de arte, capaz de distrair miúdos na hora de ir para a cama, mas igualmente capaz de enriquecer a prateleira de um coleccionador de livros de arte. 
 
Quem sai aos seus Sobre Paula Rego, há pouco de novo a dizer, já que é um dos nomes grandes da arte europeia e a sua obra já ultrapassou há muito as fronteiras de Portugal. Mas Cas Willing é outra história e o exemplo vivo de que filho de peixe sabe nadar. 
Cas, hoje casada e com duas filhas, nasceu em Londres, fruto do casamento de Paula Rego com o pintor britânico Victor Willing. A escrita para crianças não é novidade para si, tendo já trabalhado em vários argumentos e produzido histórias infantis para a televisão. Uma das séries mais emblemáticas em que participou, “Little Princess”, continua no ar no Reino Unido, no Channel 5, nove anos depois da estreia. Antes disso, e já com um mestrado em Artes no Royal College of Art, trabalhou na indústria cinematográfica como designer e marionetista. No filme “O Cristal Encantado”, de Jim Henson (o criador dos Marretas), Cas fez parte da equipa que criou e produziu os skeksis, a raça de vilões da película. E em “Sonhos de Criança”, o filme que retrata a relação de Lewis Carroll (“Alice no País das Maravilhas”) com Alice Liddell, fez parte da equipa que controlava os cabos que davam vida ao Chapeleiro Louco e às outras personagens do conto infantil.

Ficha de livro

Sopa de Pedra
Texto de Cas Willing
Ilustrações de Paula Rego
Porto Editora
14,90€