Que fazer?


Dez teses a propósito d’“As questões palpitantes do nosso movimento”


1. No início era o verbo. E se o verbo a seguir ao 25 de Abril foi muito parecido para a maioria dos protagonistas, já a prática subjacente ao verbo foi bem diferente. Socialismo com o PS, comunismo com o PCP e social--democracia com o PPD significaram coisas muito diferentes, por mais que as siglas comungassem de um mesmo campo semântico. À esquerda há que levar em linha de conta o peso da história (a do PS contra o PCP), uma história desconhecida da generalidade do eleitorado mas que diz muito, ainda, aos militantes do PS e, em particular, aos do PCP.
2. A prática lusitana das alianças e coligações parlamentares já conheceu todos os formatos, menos o de uma coligação à esquerda (a FRS não preencheu tais requisitos por deixar de fora o PCP e por ter funcionado como um mecanismo de transferência de deputados entre o PPD e o PS).
3. O PCP sempre rejeitou qualquer coligação com o PS, desde logo em tese, mas sobretudo na prática e na formulação de condicionantes a tal hipótese. As fórmulas discursivas empregadas esta semana por Jerónimo de Sousa são ousadas face à ortodoxia da Soeiro Pereira Gomes mas são, até ver, apenas fórmulas discursivas.
4. A grande novidade da campanha eleitoral para as legislativas foi o falhanço da morte anunciada do Bloco de Esquerda. As prestações televisivas de Catarina Martins cativaram várias centenas de milhares daqueles que, em 2011, votaram PS ou PSD.  
5. O sistema partidário traduz-se num multipartidarismo mitigado, assente num bipartidarismo de facto, muito longe da atomização existente noutras democracias europeias (Holanda, Bélgica). No limite, as coligações têm sido feitas entre dois partidos.
6. Cavaco, mais do que discursar para os livros de história, está nela enredado: apenas Eanes concretizou governos de iniciativa presidencial. É uma solução constitucionalmente admissível, em particular se circunscrita no tempo e destinada a preparar eleições. Olhando para a história, nada levaria Cavaco a pensar num momento presidencialista. Mas ontem discursou na abertura do ano judicial apresentando um extenso caderno reivindicativo do reforço do elemento presidencialista do sistema de governo.
7. A campanha da coligação assentou na teoria do “fim das escolhas políticas”, teoria promovida pela troika e pela coligação, que insiste em puxar a troika. A TINA (“There is no alternative”) das campanhas eleitorais de Margaret Thatcher foi por cá abraçada pela esmagadora maioria do eleitorado. Tal limita drasticamente as opções de aliança por parte do maior partido da oposição, se não quiser ser canibalizado pelos partidos à sua esquerda. Fica assim vingado, a contrario, Álvaro Cunhal e o seu ensinamento perene: evitar o abraço do urso numa coligação à esquerda, desaparecendo o partido mais pequeno.
8. Até às próximas eleições resta ao PS apostar numa guerra de guerrilha, pilhando aqui e ali os votos e a respeitabilidade que lhe permitam um ataque frontal (rejeição do Orçamento, moção de censura, rejeição de uma moção de confiança) contra um governo da coligação num futuro mais propício.
9. Neste interregno pós-eleitoral é preciso manter as aparências e mostrar PS a conversar com todos os que se sentam em São Bento. Claro que na próxima segunda-feira será difícil dizer que não ao programa de governo do BE em versão redux.
10. A política continua a ser a arte do possível. Por vezes, a arte de tornar impossíveis as possibilidades sonhadas pelos adversários.

Escreve à sexta-feira

Que fazer?


Dez teses a propósito d’“As questões palpitantes do nosso movimento”


1. No início era o verbo. E se o verbo a seguir ao 25 de Abril foi muito parecido para a maioria dos protagonistas, já a prática subjacente ao verbo foi bem diferente. Socialismo com o PS, comunismo com o PCP e social--democracia com o PPD significaram coisas muito diferentes, por mais que as siglas comungassem de um mesmo campo semântico. À esquerda há que levar em linha de conta o peso da história (a do PS contra o PCP), uma história desconhecida da generalidade do eleitorado mas que diz muito, ainda, aos militantes do PS e, em particular, aos do PCP.
2. A prática lusitana das alianças e coligações parlamentares já conheceu todos os formatos, menos o de uma coligação à esquerda (a FRS não preencheu tais requisitos por deixar de fora o PCP e por ter funcionado como um mecanismo de transferência de deputados entre o PPD e o PS).
3. O PCP sempre rejeitou qualquer coligação com o PS, desde logo em tese, mas sobretudo na prática e na formulação de condicionantes a tal hipótese. As fórmulas discursivas empregadas esta semana por Jerónimo de Sousa são ousadas face à ortodoxia da Soeiro Pereira Gomes mas são, até ver, apenas fórmulas discursivas.
4. A grande novidade da campanha eleitoral para as legislativas foi o falhanço da morte anunciada do Bloco de Esquerda. As prestações televisivas de Catarina Martins cativaram várias centenas de milhares daqueles que, em 2011, votaram PS ou PSD.  
5. O sistema partidário traduz-se num multipartidarismo mitigado, assente num bipartidarismo de facto, muito longe da atomização existente noutras democracias europeias (Holanda, Bélgica). No limite, as coligações têm sido feitas entre dois partidos.
6. Cavaco, mais do que discursar para os livros de história, está nela enredado: apenas Eanes concretizou governos de iniciativa presidencial. É uma solução constitucionalmente admissível, em particular se circunscrita no tempo e destinada a preparar eleições. Olhando para a história, nada levaria Cavaco a pensar num momento presidencialista. Mas ontem discursou na abertura do ano judicial apresentando um extenso caderno reivindicativo do reforço do elemento presidencialista do sistema de governo.
7. A campanha da coligação assentou na teoria do “fim das escolhas políticas”, teoria promovida pela troika e pela coligação, que insiste em puxar a troika. A TINA (“There is no alternative”) das campanhas eleitorais de Margaret Thatcher foi por cá abraçada pela esmagadora maioria do eleitorado. Tal limita drasticamente as opções de aliança por parte do maior partido da oposição, se não quiser ser canibalizado pelos partidos à sua esquerda. Fica assim vingado, a contrario, Álvaro Cunhal e o seu ensinamento perene: evitar o abraço do urso numa coligação à esquerda, desaparecendo o partido mais pequeno.
8. Até às próximas eleições resta ao PS apostar numa guerra de guerrilha, pilhando aqui e ali os votos e a respeitabilidade que lhe permitam um ataque frontal (rejeição do Orçamento, moção de censura, rejeição de uma moção de confiança) contra um governo da coligação num futuro mais propício.
9. Neste interregno pós-eleitoral é preciso manter as aparências e mostrar PS a conversar com todos os que se sentam em São Bento. Claro que na próxima segunda-feira será difícil dizer que não ao programa de governo do BE em versão redux.
10. A política continua a ser a arte do possível. Por vezes, a arte de tornar impossíveis as possibilidades sonhadas pelos adversários.

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