“Manifestamente não me demito” foi a frase mais clara da noite eleitoral socialista. A única dita por António Costa que não deixou dúvidas de interpretação, mas nem por isso menos questionada internamente. Aliás, foi mesmo o ponto do discurso que mais incomodou alguns socialistas. Ontem, Costa somou-lhe um novo dado (apaziguador para esta frente): vai avançar para directas e congresso.
Um passo que estava definido nos estatutos do partido do tempo em que Costa foi eleito. Apesar de o actual líder ter entretanto retirado a obrigação de ligar a realização de um congresso a um ciclo eleitoral, António Costa guia-se pelo que estava em vigor à data da sua eleição. Certo é que a clarificação estava a ser exigida por muitos dos opositores internos desde a primeira hora das projecções das legislativas. O“estou em estado de choque” de Ana Gomes foi o primeiro exemplo, mas outros se seguiram, sobretudo de apoiantes de António José Seguro na luta interna de há um ano.
É este grupo que aguarda o surgimento de uma alternativa a AntónioCosta, sendo o nome de Francisco Assis o melhor colocado, ainda que o eurodeputado socialista não tenha dado sinal disso. Aliás, até deu sinal contrário em declarações ao i na última semana de campanha, quando disse que não seria candidato. “Não sei até que ponto não foi à procura da vaga de fundo”, diz um segurista sobre essa declaração de Assis. A verdade é que o eurodeputado fez questão de sair de cena sem se submeter a qualquer destas questões na noite de domingo, rumando a Bruxelas sem passar pela TVI e pela Rádio Renascença, onde tinha combinado estar para um comentário aos resultados das legislativas.
Mesmo sem esta confirmação, o terreno não fica vazio, com Álvaro Beleza, que tem dado a cara pela oposição interna no PS no último ano, a dizer já ontem ao i que está “disponível para avançar”. O antigo membro da direcção de AntónioJosé Seguro explicou que está “disponível se não aparecer ninguém em melhores condições”. Mas defende, bem como grande parte dos interessados no desafio à actual liderança, que isso só aconteça depois das presidenciais. É isto mesmo que dirá na reunião que Costa convocou para hoje, da Comissão Política Nacional socialista, bem como defenderá que o partido dê liberdade de voto nas presidenciais e só apoie o candidato que passe à segunda volta (caso isso aconteça).
No entanto, ontem ouviu-se uma voz de peso sobre este processo. Manuel Alegre escreveu no facebook o que já dissera à TSF, que “a esmagadora maioria dos militantes está com AntónioCosta” e considerou “fundamental” que o actual líder se “mantenha firme à frente do PS”.
Esquerda? O facto de AntónioCosta ter deixado em aberto – ou pelo menos não ter fechado a porta – a possibilidade de se entender à esquerda na busca de uma “alternativa credível”, incomoda alguns socialistas. Um deles é Álvaro Beleza que adianta ao i que o PS não deve obstaculizar o governo da coligação. “O PS deve defender a estabilidade do país e, assim como os governos minoritários do PS não foram inviabilizados pelo PSD, o PS tem o dever de viabilizar o primeiro Orçamento do Estado [do executivo]. Obviamente negociando e evitando que o governo avance com a sua agenda austeritária”. Beleza diz mesmo que o “PS tem de voltar à matriz de partido moderado, popular e moderno”.
E não está sozinho no receio de uma deriva à esquerda. Outro socialista da mesma ala sublinha que o “mandato era para ter maioria. Perdeu esse mandato, não tem um para andar a negociarà esquerda”. Ao “Jornal de Negócios”, José Lello aponta caminho a “qualquer tipo de acordo entre o PS e a coligação”, chamando “posição louca” à proposta pela CDU.