Ontem esteve no Técnico, hoje pelas 14h30 dará uma conferência na Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Alice Bowman, uma das coordenadoras da missão New Horizons, traz a Portugal um testemunho da aventura que permitiu desvendar Plutão. Depois de passar a 12 500 km do planeta em Julho, a sonda New Horizons continua a sua viagem pelo espaço, a mais de 5 mil milhões de km da Terra e já a 101 milhões de km de Plutão. Os 6 gigabytes de dados recolhidos a 14 de Julho vão demorar mais de um ano a chegar à Terra, mas já há algumas descobertas. Primeiro, a melhor imagem de Plutão deixou de ser um borrão e sucedem-se fotos de alta resolução do planeta e das suas luas. Sabe-se também que Plutão é maior do que pensava e tem uma atmosfera rica em nitrogénio e metano, e uma superfície tão complexa como a de Marte. Montanhas geladas e até dunas são algumas das surpresas, que prometem continuar.
Foi ela quem quebrou o suspense de 12 horas e anunciou à sala cheia do centro de operações da NASA que a New Horizons tinha sobrevivido ao encontro com Plutão. Todos os sensores tinham funcionado e a nave estava de novo em comunicação com a Terra. Nos EUA era o culminar de um dia cheio. Em Portugal era já madrugada, mas a notícia de que a sonda estava sã e salva abriu os noticiários da manhã. Passam quase três meses sobre essa aproximação histórica a 14 de Julho passado, mas a física não esconde o entusiasmo. A primeira mulher a chefiar uma missão no Laboratório de Física Aplicada da Universidade John Hopkins está por estes dias em Portugal, para um conjunto de palestras sobre a aventura de nove anos e meio que permitiu conhecer melhor o último planeta por explorar no sistema solar.
Três meses depois, qual é o estado de espírito?
Um grande entusiasmo, fazia tudo outra vez.
Neste período, que resultado a surpreendeu mais?
Acho que é sobretudo a informação que obtivemos sobre a atmosfera. Conseguimos perceber que Plutão tem uma grande atmosfera, maior do que imaginávamos, e com diferentes estruturas.
Quando começaram a planear a missão, em 2001, não se sabia sequer exactamente onde estaria Plutão, já que demora 248 anos a dar uma volta ao Sol e foi descoberto há apenas 85. Como se lida com este tipo de incerteza numa missão de 700 milhões de dólares?
Tínhamos sistemas de navegação no espaço profundo e confiámos que até lá chegarmos iriam conseguir obter nova informação e actualizar a trajectória. Se virmos as coisas, correu tudo bem: tínhamos apontado para um ponto cerca de 12 500 quilómetros acima da superfície e para um determinado momento, e passámos apenas 70 quilómetros mais perto e 72 segundos mais cedo. Se pensarmos que Plutão está a cinco mil milhões de quilómetros e que a missão demorou nove anos e meio, foi mesmo muito bom.
Se a nave tivesse sido atingida por alguma coisa com 1 mm, tudo poderia ter acabado. Como se gere este tipo de perigos?
Estávamos muito preocupados com detritos e sabíamos que bastava um grão de qualquer coisa para termos problemas. Estava tudo planeado. Se o detectássemos a tempo, poderíamos alterar a rota. E à medida que nos aproximávamos e sobretudo no período de nove dias da sequência de aproximação, quando não é conveniente mudar a trajectória, tínhamos diferentes comandos em que podíamos usar o disco da antena como escudo. Havia várias hipóteses.
Qual foi o momento mais stressante? Foi quando perderam contacto com a nave?
Sem dúvida, foi no dia 4 de Julho. Tínhamos activado os comandos às 4h30 da madrugada e estávamos a ver as acções desencadearem-se, e por volta das 14h perdemos as comunicações. Pensei “oh meu Deus, isto está mesmo a acontecer?! Passados nove anos e meio, será que não vamos conseguir fazer as observações científicas?”
O que se faz num momento desses? Reza-se?
[risos] Bem, temos uns segundos de paragem a pensar se aquilo está mesmo a acontecer, mas depois temos de continuar e liderar a equipa. Foi o que fizemos e começámos a correr todos os sistemas para perceber o que se passava. E 77 minutos depois de termos perdido contacto, conseguimos perceber que a nave tinha entrado em modo de segurança. Ainda demorámos uns dias a recuperar os sistemas, mas felizmente foi a tempo de iniciar a sequência de aproximação de nove dias no dia 7 de Julho.
O que sentiu quando viu a primeira imagem com boa resolução de Plutão, com aquela mancha em forma de coração?
Oh meu Deus, que melhor imagem poderia uma planeta mostrar às pessoas na Terra?
Emoldurou-a?
Está no meu gabinete, é uma lembrança permanente da razão por que vamos a sítios destes.
Foi a primeira mulher a ser chefe de missão do Laboratório de Física Aplicada da Universidade John Hopkins. Foi difícil?
É um trabalho desafiante, mas não acho que seja mais difícil por ser mulher. Sempre me senti muito apoiada por todos os meus colegas.
Qual é o seu sonho depois deste feito?
Sinto que ainda não chegou ao fim. Trabalhámos durante tanto tempo para chegar a este ponto que custa acreditar que aconteceu. Sentimos que temos de continuar a trabalhar.
Mas não está, por exemplo, entusiasmada com Marte? Com a ideia de se descobrir vida?
Bom, eu não tenho uma nave em Marte… Mas acho muito interessante que tenham descoberto água em Marte.
Mas vida em Plutão é que seria a sua cereja em cima do bolo?
Sim [risos], vamos ver. Ainda estamos a receber algumas imagens… Sabemos que há agua lá, porque algumas montanhas são compostas por gelo. Mas não é água em estado líquido.
Que mensagem traz a Portugal?
Estou muito feliz por ter sido convidada para vir a Portugal falar com estudantes. Acho óptimo que estejam interessados na exploração espacial.
Também se interessou por esta área muito cedo, a ver séries como “Lost in Space” e “Star Trek”. Qual é o segredo para se ter sucesso numa carreira assim?
Acho que o segredo é descobrir o que nos apaixona e seguir essa paixão ao longo da vida. O percurso pode ser muito diferente. Numa missão como esta são precisas pessoas com formação em áreas muito diferentes, por isso não teria de ser alguém como eu para estar envolvido numa missão assim. É seguirem os seus sonhos.