O“El País” escolheu a palavra “contundência” para falar da postura de Artur Mas a uma semana da ida às urnas na Catalunha. Com o governo central espanhol de Mariano Rajoy a manter-se intransigente quanto à causa independentista – e com as autoridades eleitorais a avisarem o chefe do governo regional e líder do partido Convergência de que não pode usar o seu cargo para fazer campanha – Mas voltou às ameaças.
Reagindo aos avisos do governador do Banco Central de Espanha na manhã de ontem, o líder da Generalitat catalã – bem encaminhado para ser reconduzido no cargo no próximo domingo, com a lista conjunta com a Esquerda Republicana – avisou que não vai pagar a sua parte da dívida espanhola se o Estado continuar a recusar-se a negociar os termos da independência.
“Não há outro remédio que não estarem de acordo. O preço de não o fazerem é inestimável, em primeiro lugar, para Espanha. Espanha não poderia suportar um não-acordo”, declarou Mas numa conferência de imprensa em Barcelona. Para os independentistas da coligação Junts Pel Sí, em primeiro lugar nas sondagens de intenções de voto, se Espanha não estiver disposta a negociar a secessão da Catalunha, então deve assumir toda a dívida pública que corresponde à região autónoma. “Espanha está a jogar muito com a Catalunha”, continuou Mas. “Imaginam o que seria não haver acordo na dívida pública espanhola? Como enfrentaria a dívida se não houver acordo, de tal forma que a Catalunha não assuma uma parte?”
Governador avisa Ontem de manhã, Luis María Linde avisou que existe um “risco” real de ter de ser aplicada uma espécie de controlo de capitais na Catalunha se a região autonómica concretizar o processo de secessão do reino prometido por Mas quando convocou as eleições regionais para 27 de Setembro. Ao contrário de quase todas as outras regiões espanholas, que elegeram os seus governos regionais e autarquias em Junho, o presidente catalão adiou a ida às urnas para este mês, prometendo que, se a sua lista vencer – como está previsto que vença – “a Catalunha será independente dentro de 18 meses”.
“É um risco que existe”, alertou ontem o governador do Banco Central Espanhol citado pelo “Expansión”, em referência à questão do controlo de capitais. Para o banqueiro, a Catalunha poderia passar por um processo semelhante ao que aconteceu na Grécia há três meses – ou na Argentina aquando da crise financeira de 2001 – impondo-se limites às movimentações de dinheiro na região caso Artur Mas avance com uma nova Constituição catalã – nomeada Declaração Unilateral de Independência – para abrir caminho à saída de Espanha e à soberania máxima da Catalunha.
As declarações de Linde surgem dias depois de a Associação de Bancos Espanhóis ter avisado que o processo secessionista catalão gera tantas “incertezas e tensões” que poderá penalizar a banca, levando-a a fugir da Catalunha. Note-se que, entre os bancos que ponderam abandonar a Catalunha no caso de uma declaração unilateral de soberania, está o CaixaBank, muito activo em Portugal, prevendo-se impactos também no nosso país. “É um comunicado que diz coisas sensatas e óbvias”, disse o governador do banco central sobre o documento da associação.
“É indecente e irresponsável ameaçar com coisas que ninguém, num país democrático, se atreveria a insinuar”, respondeu Mas. “Fazem-no porque não têm mais nenhum argumento.” Facto é que já em 2013 a Generalitat de Mas avisou para a eventual necessidade de se impôr um controlo de capitais no caso de uma declaração independentista à revelia do governo e do reino de Espanha.
Risco de corralito Num dos últimos relatórios produzidos pelo Conselho Assessor para a Transição Nacional, o órgão criado a mando de Artur Mas para estudar caminhos para a independência, com ou sem acordo com Espanha, e as suas consequências, apontava que “a estratégia do governo espanhol de criar resistência e a resposta cidadã na Catalunha pode chegar a criar uma situação de grande instabilidade financeira, incluindo a possibilidade de um corralito [cenário de restrição da livre disposição de dinheiro em contas correntes e de poupança]”.
Esse mesmo relatório tem, aliás, servido de arma de arremesso para o candidato do PP catalão. Ao longo da campanha para as eleições do próximo domingo, Xavier García Albiol traz os papéis na mão para declarar que os riscos e avisos não são seus, mas dos que prometem o céu. “Que não me chamem catastrofista nem alarmista, porque isto não sou eu que o digo, é algo objectivo que saiu de um relatório da Generalitat”, declarou recentemente aos apoiantes populares.
Para Mas, é tudo “falso”. Tem-no dito sempre e repetiu-o ontem, na conferência em que acusou o Estado espanhol de levar a cabo uma campanha do medo. “[O risco de corralito] é falso e vocês sabem-no”. Nem o executivo de Mariano Rajoy “o fará porque não lhe interessa”, nem a Catalunha é “o único país do mundo sem bancos e sem investimento estrangeiro”. “Eles continuam a tratar-nos como se não bastasse uma análise minimamente elementar. Nós não engolimos isso, peço às pessoas que não se deixem levar por esta estratégia do medo.”
Que a lista Juntos pelo Sim vai ganhar não há dúvida, resta apenas saber se conseguirá a maioria absoluta de que necessita para implementar a Declaração Unilateral de Independência. Depois das autonómicas e regionais do início do Verão no resto de Espanha, em que o Ciudadanos subiu em flecha em várias regiões e autarquias, o novo movimento de centro-direita aparece em segundo lugar nas sondagens. Apesar de esta ida às urnas não ser um referendo à independência – que a Catalunha tentou levar a cabo, mas que, por pressão do Tribunal Constitucional, se transformou numa consulta popular não-vinculativa em que o “sim” ganhou – vai servir para tirar a temperatura aos independentistas, bem encaminhados para ganhar. Depois disso, há eleições gerais espanholas em Dezembro, que também podem trazer surpresas.