Hélder Costa voltou há duas semanas de Barcelona. A convite da Òmnium Cultural, uma associação para a promoção da língua e cultura catalãs fundada nos anos 1960, o diretor do Teatro A Barraca viajou até à capital da região autónoma para as comemorações da Diada – o feriado nacional da Catalunha, celebrado todos os 11 de Setembro –, que este ano, como desde 2011, foi palco de protestos pelo direito dos catalães a votarem em referendo a secessão com Espanha.
O dramaturgo português já tinha sido convidado a discursar frente à Torre de Belém em Junho do ano passado, quando a Òmnium juntou 200 pessoas para “construírem” torres humanas em defesa do direito ao voto.
“Na altura, como me pediram que falasse do direito à opinião, eu aceitei, porque sou totalmente a favor disso.” Daí surgiu o convite para integrar o grupo de dezenas de intelectuais de dez países que, há duas semanas, participaram na marcha independentista em Barcelona.
“Foi uma manifestação extraordinária. Eram, à vontade, dois milhões de pessoas e o que foi interessante foi a emotividade, a forma como o protesto foi feliz e calmo, sem agressividade, sem violência, sem lixo no chão”, descreveu ao i esta semana, na recta final da campanha antes das eleições regionais deste domingo – que servirão de termómetro aos desejos de separatismo. “Foi um encontro das pessoas para melhorarem as suas vidas.”
Enquanto lá esteve, Hélder Costa participou em reuniões abertas com representantes dos vários partidos que apoiam a independência, e com alguns ministros da Generalitat de Artur Mas, como o dos Negócios Estrangeiros. Fala de um processo “interessante”, ainda que sublinhe que “pessoalmente” considera que uma Catalunha independente seria “um erro histórico”.
Para o encenador português, a solução para as feridas e descontentamentos dos catalães – como para outros problemas, incluindo até os desafios que a União Europeia enfrenta neste momento – seria criar “uma federação ibérica com respeito pelas autonomias de cada território”. E no caso específico da Catalunha, com todas as voltas e reviravoltas no já longo braço-de-ferro de Artur Mas com o governo central espanhol, acima de tudo há “o direito a decidir”. “Como o que defendi no ano passado, quando o referendo estava em vias de ser proibido”, refere Costa.
Cenário Acabou por ser mesmo proibido. Convocado o plebiscito para Novembro de 2014, Mariano Rajoy, que continua a recusar negociações com o governo catalão, usou todos os instrumentos ao seu dispor e conseguiu que o Tribunal Constitucional ditasse o referendo ilegal. Passou a “consulta popular não-vinculativa”, onde 81% dos eleitores que foram às urnas apoiaram a independência, sem consequências práticas. E já este ano, em represália, o presidente do governo catalão decidiu convocar as regionais para Setembro e não para Junho, quando quase todas as outras regiões espanholas elegeram os seus governos regionais e autárquicos. Ao fazê-lo, Mas prometeu que, se os independentistas ganharem, “em 18 meses a Catalunha será independente de Espanha”.
Essas eleições acontecem este domingo, com as sondagens a darem 43% das intenções de voto à lista “Juntos Pelo Sim”, do Convergência de Mas e da Esquerda Republicana – seguidos do novo partido de centro-direita Ciudadanos, com 14% dos votos, e da “Catalunha Sim Podemos”, que integra o ICV, o EUiA, o Equo e, claro está, o Podemos (13%).
O que esta última coligação de partidos defende é, na prática, o mesmo que Helder Costa frisou ao i sobre a experiência recente em Barcelona. “Defendemos em absoluto o direito do povo catalão a decidir, seja qual for a sua escolha, e estamos totalmente contra a saída da Catalunha de Espanha”, assim explicou Juan Carlos Monedero, fundador do Podemos, a 16 de Setembro, numa entrevista ao i.
Ameaças Confirmando-se a maioria absoluta para a “Juntos pelo Sim”, o que aí vem será tão caótico quanto tenso. Artur Mas quer implementar uma Declaração Unilateral de Independência e avançar com a secessão no início de 2017. Banqueiros e empresários já alertaram para o eventual cenário de controlo de capitais, como aconteceu na Grécia este ano. Em resposta, Artur Mas ameaçou há uns dias que a Catalunha deixará de pagar as suas dívidas a Madrid. E o presidente do governo central veio declarar que “a ONU não reconhece o direito à autodeterminação da Catalunha”.
Em Dezembro há legislativas em Espanha, que poderão baralhar ainda mais as peças do jogo. Antes disso, 5,4 milhões de catalães são, este domingo, chamados a decidir o seu futuro. A grande incógnita é se, desta vez, Rajoy vai aceitar negociar ou manter o finca-pé – e o que acontecerá a seguir.