App CameraBag com filtro Instant sobre desenho de Pedro Boucherie Mendes © Carla Hilário Quevedo
A quantidade de artigos e livros sobre “pessoas tóxicas” faz-me pensar que o problema é quase tão grave como crimes de abuso que sempre existiram, mas que não eram tão denunciados como hoje em dia. Avisos sobre “pessoas tóxicas” estão por todo o lado, sobretudo em revistas e jornais online que têm um ritmo de publicação a cumprir.
Há listas para todos os gostos: para reconhecer “pessoas tóxicas”, para aprender a lidar com elas e ainda mais listas para saber livrar-se destas ditas pessoas que estragam a vida ao próximo através da vitimização, da arrogância, da mentira, da negatividade, etc.
Embora tenha a perfeita consciência de que há pessoas com as quais só nos podemos relacionar superficialmente e de máscara, penso que o conceito de “pessoas tóxicas” é alarmista. Parece que estamos à mercê de termos uma criatura pavorosa destas na nossa vida, que estão por todo o lado, em cada esquina, à espreita para nos infernizar a vida, em cada família, à espera da oportunidade perfeita para nos deitarem abaixo.
Nestas coisas, defendo que a vítima da pessoa tóxica é, por sua vez ,alguém que não sabe que é também tóxico à sua maneira, na medida em que se deixa encantar por quem só faz o outro sentir-se mal. Não pretendo com isto deitar culpas à vítima da toxicidade alheia, mas apenas apontar a responsabilidade partilhada, neste caso, por tóxico e suposta vítima.
O que leva alguém a passar tempo precioso da sua vida, quer seja amigo, namorado ou até colega de trabalho, com pessoas que só retiram prazer de uma negatividade constante, sem graça e estéril? Como noutros casos, o tóxico tem de ser afastado para sempre e a vítima precisa de se tratar.
Mas se houver, como dizem, assim tanta gente tóxica, então isso significa que tem de haver alguma coisa atractiva nessas pessoas, pelo menos numa fase inicial, como a droga que mata mas que parece dar grande felicidade a quem nela se vicia, que torna os outros toxicodependentes.
Durante os primeiros tempos, têm de ser encantadores para cativar a presa. Não vejo outra maneira de seduzir alguém, mesmo quem tenha a auto-estima de uma melancia. Mas geralmente, à primeira divergência, é possível perceber imediatamente quem são aqueles que julgávamos tão encantadores.
Depois, tudo depende da necessidade de cada um de ser o masoquista da relação e perder o seu tempo valioso com gente que não tem nada para dar e que ainda culpa os outros por isso.
A vítima também decide, sendo certo que a decisão é difícil quando se trata de um familiar mais tóxico ou de alguém no escritório.
Toda esta conversa sobre pessoas tóxicas até me deixou, por instantes, ligeiramente intoxicada. É mau pensarmos o pior dos outros e, por isso, preservar uma certa ingenuidade é positivo em qualquer caso. Ser convencido para o engano pode ser motivo de vergonha, mas é sempre mais desculpável do que convencer.
Levarmos a toxicidade demasiado a sério pode levar a situações absurdas, como aquela com que ilustro este artigo. Às tantas, por tudo e por nada, toda a gente pode ser tóxica, o que também não é verdade. Ninguém é completamente saudável, mas ainda há gente normal.
Escreve à segunda-feira