Vitória de Corbyn abala o Reino Unido e tem ecos reveladores Europa fora

Vitória de Corbyn abala o Reino Unido e tem ecos reveladores Europa fora


Cameron reage em aberto confronto, acusando o Labour com o seu novo líder de se ter transformado numa ameaça.


Ainda que na lista de agradecimentos do novo líder dos trabalhista britânicos, Jeremy Corbyn, devessem vir, em primeiro lugar, os bancos, como disse Philip Stephens no “Financial Times”, isso não apouca o ambiente de conto de fadas em que um homem de 66 anos, sem nunca ter ocupado um cargo num governo trabalhista, após mais de três décadas conseguiu abrir este sábado uma nova frente de esperança para o socialismo na Europa, opção que tem sido descartado ou traída como se se tratasse de uma utopia desligada da realidade.

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Durante todos estes anos foi o mais acérrimo defensor dos ideais que estiveram na origem do Labour – que começou como uma união sindical – na parlamento, e isso levou-o muitas vezes à posição de outsider, votando contra o seu partido mais de 500 vezes desde 1997. Teve no ex-primeiro-ministro Tony Blair o seu maior opositor, fazendo de tudo para impedir a sua vitória e acusando-o de representar a política ao estilo Alice no País das Maravilhas.

Afinal, foi Corbyn quem desde a primeira hora denunciou não só o “liberalismo”do antigo líder trabalhista, responsável por conduzir o partido a três vitórias consecutivas, como foi ele quem encabeçou a coligação contra a sua decisão de seguir o presidente norte-americano George W. Bush na invasão do Iraque, o que acabou por envenenar o legado de Blair.

Corbyn é o deputado mais à esquerda no parlamento britânico. Um pacifista, vegetariano e abstémio, louvado pelos seus congéneres como um exemplo máximo de integridade, alguém que nunca deixou de dizer claramente quais são as suas opiniões, aceitando o risco de ofender a consciência puritana e bom-senso conservadores, agora é o líder da oposição no Reino Unido. E chegou lá com uma vitória de tal forma ampla (com 59,5% dos votos) que mesmo que seja tudo menos certa a perspectiva de ter a sua hipótese de ser eleito para primeiro-ministro – sendo dado por adquirido por muitos analistas o cenário do seu afastamento da liderança antes das eleições gerais de 2020 – não deixa de significar uma pequena revolução ao abalar o aparelho político britânico dominado pela direita. A onda de entusiasmo com Corbyn levou a uma refundação do Labour, que nas 24 horas que se seguiram à vitória do “corbynismo” viu as bases do partido alargar com 15 mil novos militantes.

E se havia dúvidas da ameaça que os conservadores pressentem nesta viragem decidida à esquerda, a reacção do primeiro-ministro David Cameron quis sublinhar a enorme diferença que agora separa ás águas da política britânica. “O Partido Trabalhista é agora uma ameaça à nossa segurança nacional, à nossa segurança económica e à segurança das vossas famílias”, escreveu no Twitter. A mesma frase foi enviada depois pelo Partido Conservador aos seus simpatizantes num e-mail em que seguia ainda uma selecção das frases mais polémicas ditas por Corbyn ao longo dos seus 32 anos enquanto rebelde da vida parlamentar. Entre os comentários estão o ter qualificado como uma “tragédia” o facto de Bin Laden ter sido morto em vez de ser levado á justiça, ou o ter-se referido ao Hamas e ao Hezbolah como amigos numa manifestação contra a guerra, em 2009, ou a sua posição de que o país devia prescindir do seu arsenal nuclear.

Em relação à visão pacifista do novo líder trabalhista, Tom Watson, o número dois eleito no sábado, garantiu numa entrevista à BBC que fará tudo ao seu alcance para que, no próximo ano, o Labour não siga Corbyn na sua intenção declarada de opor-se à milionária renovação da frota de submarinos nucleares do sistema Trident.

Os cálculos da esquerda As reacções da esquerda europeia estiveram longe de sinalizar uma frente unida. Se na Espanha tanto o Podemos como o PSOE foram os mais entusiásticos na celebração da vitória de Corbyn, destacando o impulso que deu para uma Europa mais solidária, a dias de ser sujeito a eleições, o Syriza de Alexis Tsipras preferiu não fazer a festa à volta de um líder que reanima a esperança numa luta que, em certa medida, na Grécia já parece perdida. Assim, não fez mais do que saudar num comunicado algo lacónico uma “eleição histórica” susceptível de reforçar a “frente europeia contra a austeridade”. O certo é que a formação de esquerda radical grega, após Tsipras ter negociado o terceiro resgate engolindo o maior dos sapos da austeridade, deixou a esquerda rumo ao centro, o que deverá confirmar-se com uma eventual coligação de governo com outros partidos, seja o centro-esquerda ou os liberais.

Em defesa dos seus interesses, o Partido Socialista francês, em que François Hollande é o primeiro exemplo do líder que chegou ao poder atrás de uma onda de esperança na viragem à esquerda, só para depois trair todas as suas promessas. preferiu destacar na nomeação de Corbyn como um fôlego para revitalizar a coesão nas suas divididas fileiras. Por fim, o primeiro-ministro do centro-esquerda em Itália, Matteo Renzi, preferiu o silêncio. Uma declaração cheia de significado, sabendo-se que Tony Blair é o líder que lhe serviu de modelo.