Hungria. “Guantánamo da UE” onde refugiados são alimentados como porcos

Hungria. “Guantánamo da UE” onde refugiados são alimentados como porcos


Violência das autoridades contra milhares de pessoas em desespero está a aumentar na rota dos Balcãs.


As imagens podiam ser fictícias, uma alegoria ao jeito de “OTriunfo dos Porcos”, a sátira ao comunismo de Estaline escrita por George Orwell. Mas o caso é real, não se trata de um romance, muito menos de um triunfo ou de uma piada. Gravado por uma austríaca que viajou até à Hungria para apoiar os refugiados que tentam chegar ao norte da Europa, o vídeo mostra cerca de 150 pessoas encavalitadas umas sobre as outras, rodeadas por cancelas, enquanto as autoridades húngaras lhes atiram sacos de comida.

“Como animais a serem alimentados num curral, como se fosse a Guantánamo da Europa”, descreveu à AFP Alexander Spritzendorfer, cuja mulher, Michaela, captou as imagens. O casal, como outros de várias partes do centro e norte da Europa, viajou para Roszke para distribuir comida, roupa e medicamentos aos refugiados, enquanto o processo de realojamento não é agilizado.

Não é esperado que isso aconteça tão cedo na Hungria, onde cenas como esta têm sido o prato do dia, todos os dias, e onde cidades como Roszke ou Szeged albergam agora enormes campos de refugiados montados a mando do governo nacionalista de Viktor Órban – que antes disso mandou erguer um muro na fronteira com a Sérvia, para trancar fora do seu território os milhares de refugiados que todos os dias entram no espaço Schengen e na União Europeia pelo país.

As acções políticas de Órban roubam credibilidade à promessa que fez na sexta-feira de investigar os acontecimentos registados no campo de Roszke. Sobretudo considerando que, no mesmo dia, o primeiro-ministro húngaro esteve reunido várias horas com os homólogos da República Checa, da Polónia e da Eslováquia para emitirem mais um comunicado onde recusam participar no sistema de quotas de acolhimento proposto pela Comissão Europeia.

“Estamos convencidos de que, como países, devemos manter sob o nosso controlo o número de pessoas que podemos acolher e aí oferecer-lhes apoio”, disse o ministro checo dos Negócios Estrangeiros, Lubomir Zaoralek, numa conferência em Praga, ao lado dos quatro parceiros e do chefe da diplomacia alemã, Frank-Walter Steinmeier.
“Se concordamos na descrição da situação […] devíamos estar unidos sobre o facto de que um tal desafio não pode ser gerido por um único país”, contrapôs o ministro dos Negócios Estrangeiros da chancelaria de Merkel – onze anos depois de a Alemanha ter apoiado a adesão dos quatro países, o chamado grupo de Visegrado, à União. “Precisamos da solidariedade europeia naquele que é talvez o maior desafio da história da UE”, acrescentou.

Cinco de fora Reagindo à proposta de Jean-Claude Juncker, que quer centralizar a distribuição equitativa de 160 mil destes refugiados pelos 28 Estados-membros, a Dinamarca alinhou, em parte, com o bloco do centro europeu. “Não estaremos incluídos na repartição dos 160 mil refugiados”, declarou à agência de notícias dinamarquesa Ritzau a ministra da Integração, Inger Stojberg. “É preciso ver que já há uma repartição informal dos requerentes de asilo na Europa”, estando a Dinamarca num patamar “muito alto” do ranking de países acolhedores. 

Em 2014, o país nórdico recebeu cerca de 15 mil pedidos de asilo, estando à frente da Alemanha em termos de pedidos recebidos relativamente ao tamanho da sua população. A par disto, o governo da Finlândia disse que aceita acolher 2400 refugiados, como a Comissão pediu, mas criticou a imposição de quotas obrigatórias pelo executivo europeu.

Enquanto países de outras partes do mundo atentos à situação trágica e emergente na UE anunciam que vão acolher refugiados sírios – caso dos Estados Unidos, que fala em dar asilo a 10 mil pessoas, e do Brasil, que já acolheu dois mil migrantes do país em guerra civil – a Alemanha continua a tentar pressionar os sócios europeus do leste e do centro para que aceitem partilhar o esforço de integrar estas pessoas.

Só neste fim-de-semana, e de acordo com cálculos da chancelaria alemã, pelo menos 40 mil pessoas deverão pedir asilo no país mais rico da UE, quantidade equivalente ao total de refugiados que a Comissão tinha proposto distribuir pelos 28 Estados-membros há alguns meses. Quando este ano terminar, diz Steinmeier, cerca de 800 mil refugiados terão pedido asilo na Alemanha.

Na segunda-feira, os 28 ministros do Interior da UE estarão reunidos em Bruxelas para ratificar o plano delineado esta semana por Juncker. Até ao fecho desta edição, só havia sido forjado um compromisso para acolher 32 mil pessoas, apontava na sexta o diário espanhol “El País”.

“Entrei em pânico” De regresso à Hungria, também na sexta-feira a operadora de câmara que chocou o mundo ao rastear e pontapear alguns migrantes, incluindo crianças, que fugiam da polícia, quebrou o silêncio. Despedida do canal N1TV após a circulação das imagens nas redes sociais, Petra Laszlo pediu desculpa pelas suas acções, justificando numa carta publicada no jornal “Magyar Nemzet” que entrou “em pânico” e que está “em choque” com o que fez e “com o que lhe foi feito”.