“Mais depressa serei candidato a uma câmara do Alto Minho que a presidente do PSD”

“Mais depressa serei candidato a uma câmara do Alto Minho que a presidente do PSD”


Aos 45 anos, o advogado José Eduardo Martins critica as elites que não souberam criar desenvolvimento em cima das auto-estradas. 


“O sonho sério que tenho na política é ser presidente de uma câmara no Alto Minho (Coura ou Viana do Castelo), depois de os meus filhos acabarem o curso e de sentir que estão lançados na vida.” É desta forma que José Eduardo Martins, ex-deputado e antigo secretário de Estado, responde quando questionado sobre se tenciona voltar a assumir um cargo político.

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O advogado revela que já assumiu a intenção de ir ao próximo congresso do PSD, mas garante que “não é para fazer disso nenhuma candidatura” à liderança do partido. “As pessoas acham muito isso, mas a minha única ambição é manter a minha voz livre e dizer o que penso”, diz, assegurando que não deixará de “dizer uma série de coisas” que acha que “poderiam ter sido diferentes nos últimos anos e que precisam de ser diferentes nos próximos.”

O político-comentador defende que Rui Rio é o candidato natural à liderança do PSD “quando esta direcção terminar o seu ciclo” e que Marcelo Rebelo de Sousa é o melhor candidato à Presidência da República.

Numa entrevista de quase duas horas, José Eduardo Martins fala da infância, da família, de religião, das bandas que o marcaram ao longo da vida e, claro, dos seus festivais de música preferidos. 
 
De onde vem a ligação com Paredes de Coura?
Da minha mãe. O meu pai era beirão, mas a família da minha mãe é que é daqui. Aquela clássica tradição dos courenses de saírem da terra e abrirem um restaurante em Lisboa, o meu avô não fez diferente. Embora se tenha reformado aqui, abriu uma casa de fados no Bairro Alto. O meu avô e o meu pai pensavam de maneira diferente. Por exemplo, na política: o meu avô era fundador da Associação de Amizade Portugal-União Soviética e militante do PC. O meu pai era o típico conservador para quem a vida foi sempre de muito trabalho, respeitando muito a liberdade dos outros, mas com um pensamento muito mais à direita do que o meu avô, que era nitidamente um libertário. Mas a influência da minha vida é o meu pai. Todas as minhas virtudes cardeais – há quem diga também que os defeitos –, herdei--as do meu pai.

A infância foi passada em Coura ou em Lisboa?
Nasci no Castelo e fui criado no Bairro Alto. A minha infância é passada quase toda em Lisboa, mais alfacinha não podia ser, muito urbana. Mas depois o Verão era sempre aqui. Andei na primária no Bairro Alto, e no Liceu Passos Manuel. 

O que queria ser quando fosse grande?
Não sei, sinceramente. Acho que fui para Direito porque tinha acabado o curso de Histórico-Filosóficas, e que era aquele que mais gostaria de ter feito se isto fosse só para estudar e não tivesse vindo de uma classe média que tem de perceber que é preciso profissão, trabalho, para a vida ser mais sossegada. 

“Ainfluência da minha vida é o meu pai. Todas as minhas virtudes cardeais, e os defeitos, herdei dele”

Por pressão do pai?
Alguma. O meu pai gostava de ter estudado Direito. Era um curso que fazia sentido, e que fiz com relativa facilidade, e que sobretudo abria a perspectiva de uma profissão… e assim tem sido. Desde que acabei o curso, só não exerci a profissão nos dois, três anos em que estive em exclusividade no governo. Era um curso que na altura não era como hoje, não havia tantos cursos de Direito, tanta coisa a que se chama Direito e que é pouco parecida com isso.

Noto algum arrependimento por esse sonho não cumprido…
Não, não. Nota só a frustração de ainda não ter tido tempo para ir estudar mais, que é um plano que ainda tenho quando os meus filhos acabarem a faculdade. Gostava muito de tirar um curso de História. Também gostava de ter feito Línguas e Literaturas Modernas, mas nunca saberia escolher a variante [risos].

Não acredita em Deus, mas é ateu ou agnóstico?
Agnóstico. No fundo, gostava de acreditar, pois a minha família é toda católica. Fui baptizado, fiz a primeira comunhão, tudo isso. No outro dia, os meus filhos fizeram-me essa pergunta à mesa e fiquei muito aflito. Sinceramente, não sei o que dizer.

Baptizou os seus filhos?
Não. Vão todos decidir por si. Mas pu--los numa escola católica porque me revejo em todos os valores do humanismo cristão e não tenho nenhum problema que eles aprendam os dogmas da vida, desde que conservem os valores e os princípios de que vão precisar. A mais velha, a Carolina, pediu para ser baptizada e fazer a primeira comunhão, fez a catequese. Foi uma opção dela. Os dois mais novos, também vamos deixá-los decidir. Terão toda a liberdade. Aliás, os meus filhos têm a liberdade para tudo menos para uma coisa: são todos sócios do Benfica desde o dia em que nasceram.

“Era namoradeiro, de facto (…) Ao fim de dez anos, tenho a certeza de que encontrei a mulher da minha vida”

O Benfica é a sua religião?
[risos] Aí sou praticante.

Nuno Freitas, um amigo, chegou a dizer de si: “Era um libertino. Tinha imensas paixões, era sempre a da sua vida até à próxima.”
[risos] Era namoradeiro, de facto. Felizmente que assim foi, pois quando acertei, acertei de vez.

Casou duas vezes.
Sim. Primeiro vivi em união de facto e casei. E agora sou casado uma segunda e última vez. Ao fim de dez anos juntos, tenho a certeza de que encontrei a mulher da minha vida. E sabe bem.

Era bom aluno? 
Era. Entrei na universidade com média de 18. 

Quando começa a ganhar consciência política?
No Liceu Passos Manuel.

Em que concorre numa lista com o Ricardo Costa [director do “Expresso”] para a associação de estudantes, contra a lista apoiada pela JSD.
Sim. A nossa lista tinha desde o Filipe Hasse Ferreira à Catarina Casanova, do PCP. Éramos a lista mais heterogénea. Era uma lista de amigos de liceu e sem filiação partidária. Mas a malta da JSD sabia que eu era, pelo menos, vagamente da mesma cor, pois nas campanhas eleitorais costumavam ver-me desse lado. Basicamente fui recrutado para a JSD quando tinha 15 anos, no liceu, por um tipo que perdeu as eleições comigo.

Como se definia ideologicamente? Como via o país nessa altura?
Estamos a falar no princípio do tempo do Cavaco, da adesão à CEE, e no princípio de uma transformação brutal do país. Com a minha idade, não tinha sequer consciência da transformação brutal que estava a ocorrer. E não estou a dizer que foi excepcional cobrir o país de auto-estradas e agora não termos nada para lá pôr. Mas havia mudança e o sentimento de que o país deu um grande salto. A consciência dos 15 ou 16 anos, por muito que se tenha lido – e sempre fui um puto que lia muito –, não está formada.

Um dos livros que mais me marcam hoje em dia a maneira de pensar, e que está sempre lá atrás no cenário com que a minha cabeça analisa o que se tem passado nos últimos dois, três anos, nomeadamente na Grécia, é um livro chamado “Gente Independente”, de um islandês, a batalha simples de um homem que passa por todas as provações para conservar alguma coisa de seu porque sabe que, se conservar alguma coisa de seu, isso dá-lhe independência e liberdade. É um bocado por aí que chego ao PSD.

O meu segmento social é fácil. Sou filho de um homem que teve uma mercearia no Bairro Alto, que trabalhou para ter o que tem na vida, essa muito pequena burguesia urbana. Só quem nunca viveu dificuldades é que acha que o Estado é indiferente à distribuição da riqueza. Não é. Mas isso não quer dizer um Estado sempre presente na nossa vida, um Estado central, um Estado que restringe liberdades. Foi essa conjugação de liberdade com uma obrigação de justiça que achei que estava no PSD, e até hoje não mudei de ideias.

“Sou agnóstico. Não baptizei os meus filhos. Vão todos decidir por si. Benfica é religião? Aí sou praticante

É a social-democracia…
Exacto. Mas às vezes, quando o PSD dá, como deu estes últimos anos, guinadas à direita, é muito simples: afasto-me porque continuo a achar que o PSD é um partido social-democrata. Num país pobre, não se faz desaparecer o Estado da vida das pessoas – e não é o Estado assistencialista, é o Estado que se encarrega da justiça num sentido mais lato.

Mas andou a espalhar autocolantes do “Soares é fixe”.
[risos] O prof. Freitas do Amaral… [risos] não apoiei, não. Tudo aquilo à volta dos loden verdes, tenho de dizer com franqueza que me parecia um bocado bafiento. Nessa altura estava na associação de estudantes. Eu sentia… nenhum jovem da minha geração viveu sem liberdade, mas estávamos suficientemente próximos dos que a não tinham tido para lhe dar valor. E não fazer Soares Presidente da República parecia-me uma injustiça na altura.

Mas entre a social-democracia e o socialismo europeu… 
… o PS podia ser para muita gente. Acho que, para muita gente, esse era o objectivo. Tal como tenho o objectivo de que o PSD seja mesmo um partido social-democrata, há muita gente no PS que tenta puxar o partido para um espaço mais de centro e para essa social-democracia. São muito poucos os dirigentes do PS que alguma vez suscitaram a admiração que muitos no PSD me têm suscitado.

Quem é que lhe suscitou admiração? Quem eram as suas referências?
Numa altura em que as leituras não estão consolidadas e com o entusiasmo que havia no país, Cavaco Silva era entusiasmante para muita gente. Hoje é difícil dizer isso, passados 20 anos. Mas em 1985 era. E para mim também foi. E aquele período do meio dos anos 90, em que uma pessoa acha que tudo é possível e que estamos a fazer um país como os do norte da Europa mas com melhor tempo e melhor comida, é uma altura empolgante. 

Acreditava mesmo nisso?
Sim. Nessa altura havia uma coisa que se perdeu muito. Havia um projecto para o país. Era um país que é pequeno, limitado, que está no sul da Europa; de repente, com as comunicações, tecnologia, internet, economia dos serviços à porta da globalização, este país tem um projecto. No fundo, a ideia que continuo a ter, mas que até hoje está por executar.

Quando se apercebeu de que não era possível?
Houve ali um momento… É fácil falar de pessoas, mas o problema do país é a falta de elites preparadas. A força das pessoas está cá. A disponibilidade, a generosidade, a capacidade de sacrifício das pessoas está cá. Se o país não deu este salto é porque as elites são fracas.

Quando entrou para a JSD queria ir para o parlamento?
Sim, queria ser deputado. Não estava aqui para ser o assessor do vereador Quintinha da Fonseca Benevides – isso, há-de haver muita gente. Tinha o maior respeito pela AR. Quando era miúdo, tinha muita gente de grande dimensão intelectual, de grandes tribunos, gente que leu livros até ao fim. Mais tarde houve uma coisa que me marcou. Fui presidente de uma pequena secção da JSD e convidei três amigos meus da faculdade, que hoje são conhecidos em Portugal, e houve uma altura em que se chegaram ao pé de mim e disseram: “Ó Zé, nós gostamos muito de ti, e se tu algum dia mandares alguma coisa, chama que a malta vem ajudar. Agora, aturar este dia-a-dia de cotovelada e inveja não é para nós.”

“Na altura aborreceu-me que não houvesse sequer a educação para um telefonema para me despachar. Hoje, só me rio”

A política afasta as pessoas… 
Afasta. Era esse o meu ponto.

Como conciliou o curso com a JSD?
Acabo o curso em 92/93 e, nesse ano, o Passos Coelho [presidente da JSD] desafiou-me para fazer uma coisa de que eu gostava muito, que era andar pelo país inteiro com mais amigos, como o Nuno Freitas, e com outros, a falar com a malta das associações de estudantes. Há ali uma altura de loucura completa, em que passava 35/40 fins-de-semana na estrada a fazer formação política aos miúdos que entravam na JSD. Mas em 93 desentendi–me com o Passos Coelho.

Mas foi político ou pessoal?
A minha desilusão é essencialmente pessoal. Nós éramos muito próximos. Achava que era amigo dele. Não quero dizer muito mais do que isso. Ainda voltei à JSD, ajudei o Pedro Duarte a ser presidente, e é nessa altura que fui para deputado pela primeira vez. Mas fui deputado nessa altura, ainda secretário-geral da JSD, e depois vem o Durão Barroso. E quando chega a primeiro-ministro e me convida para secretário de Estado, eu, novo e inconsciente, nem hesitei. Disse logo que sim. Mas, aos 32 anos, abandonar a vida profissional não é uma coisa sensata. Não recomendo a ninguém.

E de onde veio a paixão pelo ambiente?
É fácil. Queria encontrar alguma coisa fora do direito das partilhas, do direito comercial, da família. E o direito do ambiente era uma coisa que estava a começar. Faço parte da primeira leva de pessoas que se interessam por isso nos anos 90. E fui convidado para ser o ministro-sombra do PSD na área do ambiente pois nessa altura, no parlamento, em 99, não tínhamos ninguém que dissesse duas lérias sobre o assunto.

O que guarda da passagem pelo governo e de trabalhar com vários ministros?
A primeira coisa que guardo é uma espécie de estado de hipnose, em que, depois de saíres, aprendes muito mais sobre a vida e sobre as pessoas. Não é só o clássico das pessoas que deixam de atender o telefone. Mas aconteceu o clássico que acontece a muitas pessoas. Em dois dias disse ao presidente da Semapa e da EDP que tinha muita consideração por eles, mas por mais difícil que fosse, não ia mudar de profissão só por ter passado pela política, porque tinha má impressão das pessoas que mudaram de profissão depois de passarem pela política.

Mas como foi trabalhar com Isaltino Morais?
O ano com Isaltino Morais foi impecável. Posso dizer que conheci um homem inteligente, absolutamente capaz, que adorava estar rodeado de malta nova e inteligente. Tivemos as nossas pegas, mas tirando as turras normais entre um ministro e um secretário de Estado, não tenho nada de menos bom a dizer sobre a minha relação com ele. Depois tive o Amílcar Theias, de que prefiro não falar, e depois o José Luís Arnaut, que era um amigo de há longos anos e, portanto, um bocadinho diferente, porque eu e o Amílcar Theias não nos conhecíamos.

É verdade que chegou a pedir a demissão a Durão Barroso?
Sim. Quatro meses antes de sair, pedi a demissão. Não me sentia útil. Mas ele pediu-me para esperar. E esperei. Houve um dia em que o meu cunhado da altura me ligou a dizer que estava a dar uma notícia na TV sobre quem era o novo secretário de Estado do Ambiente. Depois foi curioso que o Santana Lopes liga-me a dizer que achava incrível que não tivesse sido eu o ministro. O Nuno Morais Sarmento ligou-me depois às três da manhã, mas quer dizer, foi tudo… na altura aborreceu-me um bocadinho que não houvesse sequer a educação para um telefonema para me despachar. Hoje, só me rio disso.

Tinha a ambição de ser ministro?
A história da minha ambição é sempre muito sobreavaliada. Não tinha essa ambição. Tinha a ambição é de ser ouvido na escolha do ministro porque tinha sido o porta-voz do PSD para o ambiente, e gostava de ter sido ouvido sobre quem achava que era o melhor ministro do Ambiente que o país podia ter.

A saída de Durão Barroso foi um choque?
Sim, foi. Foi uma decisão pessoal e sem respeito pela obrigação colectiva que tinha assumido em nome de muitas pessoas.

Já alguma vez falaram depois disso?
Uma vez ou outra cumprimentámo-nos circunstancialmente. Conversar, não.

Pensa voltar a assumir um cargo governativo ou na AR?
Neste momento, não é de todo importante.

E presidente de câmara?
Costumo dizer que o sonho sério que tenho na política é ser presidente de uma câmara no Alto Minho (uma de duas: Coura ou Viana do Castelo), depois de os meus filhos acabarem o curso e de sentir que estão lançados na vida.
Há tempos, o seu amigo Nuno Freitas chegou a dizer que não duvida de que um dia disputará um espaço alternativo a Passos Coelho.

As pessoas acham muito isso, mas a minha única ambição é manter a minha voz livre e dizer o que penso. Não discordo por discordar ou porque estão lá outros. Discordo porque penso de outra maneira e, portanto, as pessoas esperam que ponha alguma actividade no sítio onde ponho a palavra. O problema é que sou uma pessoa como as outras. Com uma vida normal que, neste momento, é extraordinariamente feliz e preenchida com imensas coisas. Estou numa fase óptima da minha vida profissional, ajudo a Ritmos, e fazer parte disto diverte-me imenso. Os meus filhos estão numa idade em que adoro passar o fim-de-semana com eles, ouvi-los e vê-los crescer.

E a soma destas coisas todas, aquilo que me faz pensar, é que vou ganhar liberdade outra vez para poder intervir, coisa que não desisti de fazer, numa altura em que já não serei o protagonista. Serei só o protagonista a ajudar outros protagonistas. Conheço várias pessoas, uma década atrás de mim, muito boas. Sei que há ali nos 30 uma geração capaz, inteligente e social-democrata que vai contar e, se calhar, nessa altura terei mais liberdade para ajudar.

Só para ajudar, e não como protagonista. É isso?
Para ajudar. Não preciso… farto-me sempre de rir, não nego que sou uma pessoa vaidosa, mas a minha vontade de protagonismo é muito menor que aquela que sempre me atribuíram. Já comuniquei ao presidente da secção de Coura a minha intenção de me candidatar como delegado ao próximo congresso do PSD. Nessa altura terá passado a campanha eleitoral, na qual vou procurar estar o mais despercebido possível, e não deixarei de ir ao congresso dizer uma série de coisas que acho que poderiam ter sido diferentes nos últimos anos e que precisam de ser diferentes nos próximos. Mas não é para fazer disso nenhuma candidatura nem nenhuma coisa.

É só por este meu gosto de, entre os meus, dizer aquilo que penso, e que já não pratico há quatro ou cinco anos, e que já tenho saudades.

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