Foi de bicicleta até Dakar com o também líder Nomad Jorge Vassallo (projeto a que deram o nome de "Até onde vais com 1000 euros?" e que resultou no livro homônimo), andou de burra por Trás-os-Montes, foi operário numa fábrica de salsichas em Londres, freelancer em Portugal e trabalhou dois anos numa montanha na Islândia.
O resto do tempo passou-o com a mochila às costas em longas viagens pela Índia, Sudeste Asiático, Médio Oriente e América Latina. Em 2012 partiu para a sua aventura mais emocionante: uma volta a África com o pai reformado, a bordo de uma Renault 4L, percorrendo 42.000 km e atravessando 25 países ao longo de um ano. Uma aventura publicada no livro com o título: ”Nunca é Tarde”.
Meses depois de se aventurar na viagem que é ser pai, Carlos Carneiro responde às perguntas do colega e líder de viagem Mateus Brandão.
Carlos, diz-se por aí que ser líder Nomad é uma das melhores profissões do mundo. Quão ‘sortudo' te definirias?
Não nasci com tanta auto-estima, mas acredito que, para quem esteja a precisar de férias, a nossa profissão em destinos exóticos possa parecer uma das melhores do mundo. Como qualquer outro ofício o importante é poder trabalhar no que se gosta, o que é o caso. A enorme sorte que tenho como líder Nomad é poder conviver de perto com pessoas muito diferentes, muito interessantes. Aprendo muito e quanto mais grupos da Nomad conheço, mais gosto de Portugal.
Qual a característica que mais aprecias na humanidade?
O seu lado mais simples: seja rico, pobre, bonito ou feio. Todos usamos máscaras, eu tenho uma atracão natural para os que as usam toscas.
E que 'qualidade pessoal' tens esperança de sair reforçada com as tuas viagens?
A de me saber escutar para poder seguir o meu caminho sem medo.
Qual a tua estação do ano preferida e onde?
Primavera em Trás-os-Montes.
Dirias ser esse o teu lugar de eleição ou, de todos os sítios por onde tens passado, onde não te importarias de viver e porquê?
Não é o sitio de eleição pois só lá fui uma vez. Caminhei 15 dias na companhia de uma burra chamada Lizota e senti a Primavera como nunca, pois estava "colado" à terra, sem interferências. Foi a viagem que me levou mais longe e não me canso de repetir esta história por ser real e me ter provado que às vezes andamos quilómetros à procura de respostas e elas estão mesmo ali ao lado.
Na próxima Primavera regressarei em família e será o presente do primeiro aniversário do meu filho: um passeio de burro. O meu sítio de eleição será sempre Lisboa pois é aí que vive a minha família e núcleo de amigos. São as pessoas que me fazem apegar às terras.
Como sabes a vida está cara. Hoje, como, com quem e onde irias com 500€?
Vou com o meu filho Mateus na Catrela (Renault 4L) até à Mauritânia para ele conhecer o padrinho, o Djaló, originário da Guiné Conacri a viver em Nouhadibout. No caminho conhece o Sahara Ocidental, o museu do Exupéry em Tarfaya e claro, ainda ganha um exemplar do "Principezinho".
Para além de circum-percorrer o continente africano, para o que é que nunca é tarde?
Nunca é tarde para tirar um ano de folga. O meu pai dizia-me que se eu pudesse me reformava aos vinte anos. Como não consegui, tento tirar um ano de folga por década. Aos 27 viajei do México ao Brasil, aos 37 dei a volta a África, aos 47 vou de Lisboa até ao Japão de carrinha com a família. Sair do nosso quotidiano ao longo das quatro estações devolve-nos lucidez.
E já consegues desmontar e remontar uma 4L sem que te sobrem peças ou ainda não passas da troca de pneus?
Agora sim, estou preparado para me aventurar em África – percebo de mecânica, a 4L pega à primeira e não range nas curvas. Mas como isso é passado a 4L é agora o meu carro de família, do dia-a-dia. Sonho em não ter outro na vida.
Por falar nisso: como é que se encontra a mala do teu carro? Há alguma coisa que transportes sempre contigo?
Fui lá ver e é um amontoado de restos: duas raquetes de "badminton" compradas em Berlim há um ano e usadas apenas uma vez num dia de vento. Depois dentro de uma jante velha guardo ferramentas, cabos de bateria, um extintor de espuma dos Camarões e uma cinta de reboque que nos foi oferecida no Congo. Restos africanos que espero não ter de pegar.
Quais os últimos 3 livros que leste?
"João César Monteiro, obra escrita", Volume I; "Sculping in Time" do Andrei Tarkovsky e as "Histórias ao telefone", do Gianni Rodari, que gravei para o meu filho me ouvir enquanto estava a viajar com um grupo da Nomad. Com a minha voz cavernosa e os seus 3 meses de idade, estou desconfiado que não percebeu grande coisa.
Alain de Botton escrevia sobre ‘a arte de viajar’. Partilhas dessa opinião de que viajar pode ser uma arte?
Não creio que viajar seja uma arte. Pode ser um processo criativo mas normalmente não tem como objetivo produzir um objeto ao algo palpável.
Mas existem artistas que que se lançaram ao mundo, como o Rimbaud que acabou na Etiópia, Paul Gauguin no Tahiti ou George Leth no Haiti. Mas nós, os comuns mortais, acho que viajamos mais pelo prazer de conhecer outras culturas, para nos conhecermos a nós próprios e romper com o quotidiano. Somos "flâneurs" que saíram da cidade.
Quando tiveres 80 anos, o que contarás aos teus filhos?
Deus me dê saúde e quando tiver 80 anos vou estar num barco à vela a ver todas as ilhas que tenho deixado para trás e claro, vou ligar aos meus filhos no meio de águas azul-turquesa e mostras-lhe quem é a raposa velha, ou na nova linguagem dos adolescentes "quem é o boss". Se tinha algumas dúvidas que a minha reforma seria num barco à vela, perdi-as quando li o fabuloso "Atlas of the remote islands " da Judith Schalansky, que aconselho a todos os que gostam de olhar para mapas e destinos inusitados.
Artigo escrito por Mateus Brandão ao abrigo da parceria entre a Agência de Viagens de Aventura Nomad (www.nomad.pt) e o Jornal i.
A Nomad – Evasão e Expedições é uma agência de Viagens Aventura e Expedições. Descoberta Cultural | Aventura | Trekking e Montanha.