Açucena. O nome que os chefes portugueses têm debaixo  da língua

Açucena. O nome que os chefes portugueses têm debaixo da língua


Não há chefe em Lisboa que não conheça as suas bancas de peixe no Mercado 31 de Janeiro, em Lisboa. 


A ideia do negócio é simples: vender produtos com qualidade e manter clientes. Um dos compradores pedia a Açucena Veloso uma parte boa do lombo de salmão. Bastou um franzir de olhos para se apressar a explicar que boa queria dizer grande. “Eu sabia, mas estava só a brincar”, confessa Açucena, enquanto explica que “ali só há bom peixe”.

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É uma confiança que vem em cadeia, da lota ao consumidor. A comerciante já não vai comprar directamente ao Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL). Tem os seus compradores, que já sabem o que a casa gasta e a maior parte das vezes têm ordens do dia anterior, ou antes, para comprar este ou aquele peixe ou marisco. 

A minhota Açucena veio cedo para Lisboa e desde cedo que a história foi de trabalho. Aos nove anos vendia limões no Mercado 31 de Janeiro e, um dia, uma das peixeiras perguntou-lhe se queria ajudar. Ganhou o lugar a fazer a “pescadinha à francesa”.

Explica que, com muito cuidado, abria o peixe e tirava-lhes as espinhas. Um ano mais tarde, a Laurinda Lisboa, como era conhecida – hoje reformada –, pediu-lhe para ficar na sua banca. Disse que sim e ficou mais 51 anos. Dantes, a sua bancada media um metro, hoje tem 23 de comprimento. 

Diz que a sua vida não é fácil. Apesar de dormir um pouco à tarde (só um pouco), deita-se por volta da meia-noite e à uma e meia da madrugada levanta-se para seguir para o MARL. Basicamente, é só para carregar o peixe, mas confirma o que lá vem. Raramente lhe acontece, mas já chegou a olhar para o peixe e recusar a compra.

Olha para o peixe– que chega das lotas de Peniche, Olhão, Setúbal, Sesimbra e outras –, mas nunca lhe põe as mãos, garante. Há peixe que vem da Noruega, como o salmão, “que é o melhor”. Por vezes, robalinho e dourada da Grécia ou a garoupa da Mauritânia, “mas os portugueses são melhores”. Assim de repente, só há um peixe de que não gosta: a perca. Diz que nunca viu a cabeça de uma e não confia num peixe de que não se veja a cabeça. Um dia, num restaurante, pediu arroz de garoupa e no meio vinha perca misturada. Foi para trás, junto com um raspanete ao dono, que admitiu o engano. 

Açucena adora peixe, come todos os dias e raramente, muito raramente, come carne. “Sou amiga do peixe”, diz com um sorriso que mantém sempre. 

É com ele que atende os melhores chefes de Lisboa e não só. Não se lembra de todos, por isso prefere não dizer nomes, mas o i foi sabendo de Miguel Castro e Silva, Kiko, Olivier, Justa Nobre, Vítor Sobral, entre outros. Um dos compradores habituais disse ao i que além de terem sempre a garantia de que o peixe é bom, ainda são presenteados com a boa disposição de Açucena e não só. Contou que uma vez a viu vender uma posta de peixe a um reformado que mora ali perto. Depois do dinheiro contado para pagar a conta, Açucena perguntou-lhe se queria levar duas postas para os gatos, que lhe entregou. O homem nunca teve animais. 

Tem seis carros de distribuição e orgulha-se de vender o peixe todo. Naquele dia, tinha pedido 40 quilos de salmão, outros tantos de garoupa e 70 de corvina. Foi tudo, até porque no final são os hotéis e restaurantes que acabam por ficar com o peixe. “Sempre fresco e bom.”