Estamos em Olhão mas podíamos estar na Cova da Piedade. A uma distância considerável da ria onde se apanha o barco para a ilha da Armona, estamos perdidos no meio de prédios que nos parecem iguais aos de um subúrbio qualquer.
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“É já ali ao lado da estação de comboios”, diz alguém na rua, e o “já ali” transforma-se em mais 20 minutos de voltas e delírio em Olhão.
Talvez tenha passado pelo mesmo delírio há pouco tempo para ver Anselmo Ralph actuar no Festival de Marisco, ali também na mesma terra.
É caso para dizer que está tudo de olho em Olhão mas isso agora não ajuda nada ao nosso sentido de orientação.
“É ali naquela placa vermelha”, continua mais um ajudante, a provar que pedir indicações na rua ainda é melhor que deixar-se levar pelo GPS e ir parar ao Purgatório.
NOS ANOS 80 ABERTO
Podia chamar-se o café, a julgar pela enorme placa à porta que faz frente à da Óptica Luís Filipe, mesmo ao lado. Lá dentro tudo parou algures nos anos 80 e nenhum objecto – nem mesmo um simples vaso como os do átrio de um prédio de muitos andares – parece condizer com nada.
“O café é de 1979 e esteve fechado uns tempos mas nós reabrimo-lo há três meses”, explica Tiago Sousa, de 26 anos, um dos actuais donos, tal como o sogro e a namorada. “Mudámos só umas coisinhas ali na sala para o pessoal ficar mais confortável.”
Está quase tudo igual há mais de 30 anos e não ia ser o nome a mudar. “Não quis mudar o nome, tive oportunidade de mudar mas não quis”, conta Tiago. “Deve chamar-se assim por ser no centro de Olhão, perto da estação.”
Não só perto da estação de comboios mas também com vista privilegiada para as linhas e para os graffiti que foram surgindo nas paredes e dão um ar mais colorido ao horizonte. Numa sala com azulejos azuis e mesas de snooker – aliás, por estes dias continua a acontecer um torneio de snooker –, há um quadro com uma foto antiga de Olhão e das suas ruas labirínticas. “Decidimos mantê-lo mas estamos à espera de fazer uma exposição com os quadros de um artista”, continua Tiago.
MARISCADOR
E foi por acaso, num dia de folga, que o encontrámos tão cedo no café. “Faço jardinagem, faço um pouco de tudo, trabalhos de pedreiro, construção civil… A minha vida antes era de mariscador, desde os 16 que ia para o mar num barco. Só que o meu barco agora está a arranjar e o mar está fraco e surgiu esta oportunidade. Há escassez de marisco e a legislação também não nos ajuda.”
Ainda assim, Olhão continua a ser dos melhores sítios para comer marisco no Algarve e no Café Central não havia de ser excepção. “Fazemos petiscos, temos uma boa cozinha. Os pescadores trazem do mar e nós confeccionamos aqui”, diz. Conforme o que se apanhar no dia, pode contar com amêijoas, camarões ou canilhas, todos “com um toquezinho especial”.
Por agora o negócio está fraco e não se vê ninguém nas mesas – nem mesmo nas de snooker. “Mas depois do trabalho, a partir das seis, o pessoal aparece para beber uma cervejinha.” A casa fica aberta até perto das duas da manhã e aos fins-de-semana a coisa é mais animada, com karaoke e música ao vivo. “Agora o órgão está avariado e por isso o karaoke teve de passar para sábado.”
Quem não acha muita piada à brincadeira são os vizinhos, que estiveram contra a reabertura do café e continuam a queixar-se de barulho na rua até altas horas. “Como falam mal não costumam vir aqui. É que as pessoas quando saem ficam a conversar lá fora e esta rua faz uma espécie de eco.”
Ecos à parte, o Café Central continua a ser um bom sítio para sair à noite em Olhão. “O mais engraçado é que as as pessoas que vêm cá falam muito do antigamente”, acrescenta Tiago. “Eu nunca tinha cá vindo, mas o pessoal na casa dos 40 conta que era como hoje, a malta convivia, cantava, bebia uns copos…”
FICHA
Café Central de Olhão
Ano: 1979
Dono: Tiago Sousa
Especialidade: Petiscos do mar
Preço do café: 60 cêntimos
Preço da cerveja: Média a 1 euro, mini a 80 cêntimos
Clube de futebol do dono: Benfica