Imigração. Seguem a luz ao fundo do túnel, encontram um gigante com pés de barro

Imigração. Seguem a luz ao fundo do túnel, encontram um gigante com pés de barro


Mais refugiados e migrantes entraram na UE entre Janeiro e Junho deste ano que em todo o ano passado. Mas o futuro que procuram não está aqui.


Das mais de 224 mil pessoas que já entraram na União Europeia este ano, sobretudo pelo Mediterrâneo, 3018 foram interceptadas na República Checa. Aí, como em quase todos os estados-membros, crescem as denúncias de abusos e violações dos direitos de migrantes e refugiados. No caso checo, por exemplo, entre quinta-feira e domingo da semana passada cerca de 100 pessoas detidas pelas autoridades a aguardar deportação tentaram escapar ao retorno forçado aos seus países. A polícia usou gás lacrimogéneo contra os migrantes, acusando-os de destruir o centro de detenção. E no domingo, em entrevista ao jornal “Blesk”, o presidente checo, Milos Zeman, deixou clara a sua posição. “Ninguém os convidou para virem para aqui. Mas agora que já cá estão têm de respeitar as nossas regras, tal como nós respeitamos as deles. Se não gostam, vão-se embora.”

As palavras ecoam as de David Cameron no Reino Unido, de François Hollande em França, de Viktor Órban na Hungria ou de Boyko Borisov na Bulgária. Mas, ao contrário destes e de outros dirigentes, o líder checo tem a quem apontar o dedo pela maior vaga de migração para a Europa desde os anos 30 – entre 1933 e 1939, 350 mil judeus alemães e austríacos procuraram refúgio fora dos seus países de origem.
“A actual onda tem raiz na ideia louca [dos EUA] de lançar uma intervenção no Iraque, que alegadamente tinha armas de destruição em massa mas onde nada foi encontrado” e no “desejo [dos EUA] de restaurar a ordem na Líbia e na Síria”. A culpa, disse Zeman, é dos Estados Unidos e dos “aliados ocidentais” que ajudaram “a coordenar as operações na Líbia”.

Que Combates? Do discurso de purgatório do presidente checo pode retirar--se o que, para quem estuda movimentos migratórios, é um facto: combater os grupos armados e os governos que forçam estas fugas em massa não é suficiente nem é solução. “As soluções para as vagas de migração são multifacetadas e devem incluir a resistência a governos autocráticos e a ditadores”, admite ao i Martin Lemberg-Pedersen, do Centro de Estudos Avançados das Migrações, da Universidade de Copenhaga. “Mas há que fazer distinções: a curto prazo, combater ditadores tende a criar, não a minimizar, ondas migratórias. E em geral essas vagas são situações aqui e agora, quando os conflitos já fugiram ao controlo.”

Nos próximos meses isso poderá ser novamente observado, agora que a Turquia entrou na campanha aérea da coligação internacional para destronar o autoproclamado Estado Islâmico na Síria e no Iraque, lançando uma ofensiva em duas frentes – contra os jihadistas e também contra os curdos, que a Turquia teme que saiam galvanizados desta guerra e voltem à luta pelo seu estado. “Isto deverá aumentar a actual vaga migratória”, aponta Lemberg-Pedersen. “Daí que intervenções militares não sejam uma solução para as vagas de refugiados. A menos que se julgue que a concentração militarizada de populações inteiras de refugiados, com o que mostra a história e o nosso passado colonialista, é uma boa ideia.”

Fracassos Em plena crise humanitária, a pior da história moderna, a Europa está a falhar. Falham os estados-membros que recusaram a quota de acolhimento de 40 mil sírios e eritreus proposta pela Comissão Europeia. Falham os populistas, com cada vez mais poder e apoios, que capitalizam mitos para fecharem as portas. E, para o especialista dinamarquês, falham até os países que mais têm feito, como a Itália e a Grécia, as principais portas de entrada na UE, e a Suécia e a Alemanha, os países que mais pessoas acolheram até agora entre os 28 estados-membros. 

“Se o objectivo é evitar as políticas vergonhosas de refugiados da década de 30 – quando os refugiados judeus foram rejeitados em massa –, então a Comissão, o ACNUR(alto comissariado da ONU para os Refugiados), a Organização Internacional para as Migrações e esses países (Alemanha, Suécia, Grécia e Itália) precisam de criar uma frente unida, que combata e critique esta deflexão de responsabilidade que observamos em tantos países”, aponta. “Podiam concertar uma posição e dizer:‘O actual sistema já falhou e está a criar insegurança em massa – para os refugiados, mas também para as populações de acolhimento –, portanto esconderem-se atrás dele é não assumirem qualquer responsabilidade.’” Um eco do que a própria Comissão Europeia voltou a sublinhar na quinta:“É fácil chorar em frente à televisão enquanto se assiste a esta tragédia. É mais difícil assumir responsabilidades. O que precisamos agora é de coragem colectiva para passar das palavras a acções concretas, palavras que de outra forma parecem vazias.”

Sem ondas Essa frente comum tarda em chegar, e há razões para isso. Numa altura em que dois estados-membros, a Hungria e a Bulgária, estão a erguer muros nas suas fronteiras, em clara violação dos princípios fundamentais da UE, a Comissão fica-se pelas condenações retóricas. Jean-Claude Juncker, o chefe do executivo europeu, faz piadas e goza na cara de Órban com a classificação de “ditador”, enquanto os antieuropeístas ganham força (já existe um grupo de extrema-direita no Parlamento Europeu). “Até agora tem havido um desejo de não escalar desentendimentos”, explica Lemberg-Pedersen. “E aqui fica claro que a UE como actor parece um gigante com pés de barro.” 

Mas talvez nem isso funcione, dado o vaticínio de que o sonho europeu está defunto. É possível que dentro de um ano o Reino Unido abandone o bloco, se a promessa de referendo feita por Cameron avançar. É possível que avance, se se considerar que a questão da imigração é um dos pontos de contenda entre o governo britânico e a UE e que as tentativas de entrada no Reino Unido através do túnel do canal da Mancha estão a exacerbar a irritação do governo conservador. A isto junta-se haver cada vez mais europeus desesperados com as suas próprias tormentas nascidas da crise e desencantados com uma UE que também lhes falhou. O futuro, para Lemberg-Pedersen, não é reluzente. “Da forma como as coisas estão, e também por causa da animosidade geral de largas faixas da população europeia quanto à própria UE, parece que qualquer solução para os refugiados falhará.”