Amy Winehouse não viveu o suficiente, mas fez tudo para deixar um legado, para que tenhamos saudades dela. “Amy”, de Asif Kapadia, é uma incursão pela personalidade de uma das melhores vozes dos últimos anos, do cigarro na boca aos 16 anos, olhar livre e ingénuo na festa de aniversário de uma amiga, até ao circo degradante, entre drogas e paparazzi, que se tornou a sua vida dos últimos dias.
Amy é a personagem principal do documentário com o mesmo nome, uma das estrelas do festival de Cannes deste ano. A sua história não há quem a conte melhor que o filme que amanhã se estreia. Mas há pelo menos outras quatro pessoas essenciais ao documentário, cada uma a seu jeito fundamentais para este retrato. Asif Kapadia, realizador, Mitch Winehouse, pai, Nick Shymansky, primeiro manager e grande amigo, e Salaam Revi, produtor. Mais nomes aqui estariam – o ex-marido Blake Fielder-Civil, as melhores amigas Juliette Ashby e Lauren Gilbert, tal como Mos Def, Mark Ronson – se a voz não lhes faltasse. Aqueles que decidiram colaborar com o filme raramente aceitam falar sobre Amy fora dele.
Asif Kapadia Ao contrário do que se possa pensar, Asif Kapadia nunca conheceu Amy Winehouse. Aliás, o realizador inglês de ascendência indiana não se distingue assim tanto do fã comum, pelo menos até fazer este “Amy”. Cresceu, tal como a cantora, no norte de Londres, comprou os seus discos, mas nunca a viu ao vivo.
O trabalho foi, por isso, mais complexo, sobretudo porque muita da gente próxima de Winehouse fez um voto de silêncio após o seu funeral. Algumas pessoas levaram até 18 meses a ser convencidas a falar. “Desligava as luzes e sentávamo-nos no escuro a falar. Tornou-se a técnica para fazer o filme. Às vezes, alguns deles não queriam falar, outros concordavam falar dez minutos, depois tornava-se uma hora, duas, cinco”, conta Kapadia ao “Telegraph”.
O filme mostra inúmeras gravações inéditas da adolescência, dos dias de estúdio, de concertos, tudo coisas que demoraram o seu tempo a obter e a tratar. O cineasta, que assume gostar de fazer filmes sobre temas que desconhece, foi-se surpreendendo ao longo dos dois anos de pesquisa. Um pouco como acontece com o espectador. “Não sabia que ela tinha este humor incrível, era engraçada, tinha carisma, gostava de a ter conhecido”, afirma ao “Daily Breeze”. O que Kapadia sabia, todos sabíamos: a voz de Amy era única. Mas isso era o que já sabíamos antes de vermos o documentário.
Mitch Winehouse Nestas coisas, há sempre quem fique malvisto. Mitch Winehouse, o pai, é o melhor exemplo disso mesmo. Apesar de ter estado relutante em colaborar com o filme, acabou por aceitar. A primeira vez que o viu, em Outubro de 2014, arrependeu-se prontamente. “É horrível, disse-lhes que eram uma desgraça, que deviam ter vergonha”, contou em Maio ao britânico “The Guardian”. E prosseguiu, dizendo ao mesmo jornal: “Eles estão a tentar retratar-me da pior forma possível, sei que errei com a minha filha, mas não a amar não foi um desses erros.”
Mitch é abordado no filme como alguém despreocupado, desatento ao ponto de dizer “é só uma fase” a propósito da bulimia que Amy apresentava aos 15 anos. Tal como em 2005, o pai de Amy surge a dizer que ela não precisava de ser internada para reabilitação. Eis a sua versão da história, que contou ao “Guardian”: “A Amy tinha caído, estava bêbeda e cabisbaixa. Veio a minha casa com o seu agente e ele disse-me: ‘Ela precisa de ser internada.’ Mas ela não estava a beber todos os dias, era como muitos outros miúdos, por isso disse: ‘Ela não precisa de ir.’ E, no filme, apareço a dizer que ela não precisava de ir naquela altura.” Apesar disto, Mitch afirma que não vai apresentar nenhuma queixa em tribunal contra o documentário.
Nick Shymansky Uma das peças essenciais da fita é o primeiro manager e grande amigo da inglesa, Nick Shymansky, o mesmo que conversou 15 horas com Kapadia, apesar de no início não estar para aí virado. “Assim que conheci o Asif, percebi que ele era muito inteligente, que estava a levantar questões que eu não tinha percebido que queria ver respondidas. Além disso, percebi que ele não estava interessado nas drogas que Amy estava a tomar ou em quem ela tinha chateado. Ele queria conhecer a pessoa, o seu carácter”, disse ao “Telegraph”.
Nick notou que Amy estava a mudar quando a mesma conheceu Blake Fielder–Civil, que viria a tornar-se seu marido e que a iniciou no consumo de heroína. “Depois de seis anos de uma relação incrível, foi como lidar com uma pessoa diferente. A forma de falar, o humor, não parecia a Amy.” Pouco depois, a artista pediu–lhe para largar a empresa gerida por Simon Fuller e ser seu agente a tempo inteiro. Shymansky rejeitou, a não ser que ela largasse as drogas.
Foi aí que Amy tornou Raye Cosbert o seu novo manager. Nick viria a afastar-se da amiga por não concordar com “o mal que fazia a si mesma”, como o próprio diz no filme – mas nunca deixou de se preocupar.
Salaam Remi Se há imagens que nos ficam neste documentário – e acredite que não são poucas – são aquelas em que Amy está a tocar guitarra no jardim da casa de Salaam Remi, em Miami, lugar de introspecção onde se refugiou do mundo para lançar o primeiro disco, “Frank”. “Nessa altura, ainda não era a Amy quem escrevia tudo o que cantava, e era isso que queria mudar, queria que a deixassem expor as suas ideias para as letras. Consegui que ela percebesse que bastava eu dizer-lhe algumas coisas para que ela pensasse que podia escrever o que quisesse, isso foi essencial”, contou ao “Large Up”.
O produtor, com trabalhos junto de gente como Nas e Jazmine Sullivan, entre muitos artistas de rap e r&b, confessou ainda que ao primeiro tema que compuseram percebeu que tinha em mãos uma artista excepcional. “Na primeira sessão concluímos a ‘Cherry’, depois ‘I Heard Love is Blind’. Lembro-me de pensar: ‘Se és assim aos 18 anos, onde estarás aos 25?’”