A velha e paciente diplomacia


Não há diplomacia sem diplomatas, mas não há diplomacia bem-sucedida sem políticos.


Nos últimos dias concretizaram-se dois dos grandes desafios às relações externas dos Estados Unidos nas últimas décadas e, assim sendo, configurando-se necessariamente como questões globais: o reatar das relações diplomáticas daquele país com Cuba e um acordo com o Irão regulando a questão nuclear. 

É certo que, no meio da instabilidade internacional provocada pela nova ameaça do Estado Islâmico ou perante a impossibilidade de se assistir à afirmação de um Estado no Afeganistão, ou ainda face à insegurança e fragilidade em diversos pontos de África, tudo aquilo parecem ser coisas pequenas e localizadas. A conflitualidade e a insegurança, como tudo o resto, são hoje globais. Mas Cuba e Irão não são pormenores. Ironicamente, as novas ameaças à comunidade internacional até provavelmente favoreceram a resolução daqueles conflitos históricos.

Afinal, não se pode estar em colisão com todos ao mesmo tempo. É certo assim que estas são vitórias da diplomacia clássica, a velha e paciente diplomacia, recuperando até a posição algo depauperada nos últimos anos das Nações Unidas.

Não há diplomacia sem diplomatas, mas não há diplomacia bem-sucedida sem políticos. Quando Obama chegou à Casa Branca havia a esperança de que a política externa norte-americana pudesse favorecer finalmente estes acordos. Demorou, mas chegou esse tempo. Por outro lado, quando o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano ou o presidente Castro deram sinais explícitos e contemporâneos de abertura ao diálogo, eles foram bem entendidos pelos seus interlocutores. Fizeram-no, aliás, de forma pública e notória: o que há de mais notório hoje que uma mensagem no Twitter ou um aperto de mão televisionado para todo o mundo?

As vitórias diplomáticas, contudo, precisam de instituições e de pares no contexto internacional. Solucionar de forma pacífica um conflito exige, afinal, contrapartes de cariz estadual, de acordo com o modelo tradicional. Não por acaso, os grandes focos de conflito dispensam hoje esta tradição e colocam-se assim fora do escopo do trabalho pacificador da diplomacia e à mercê da lei da força. Quando se andou a gritar a morte dos Estados no plano internacional, mesmo quando se estava apenas perante Estados formais ou que assumiam conteúdos de governação muito discutíveis, para se ser suave, não seria certamente para exaltar a conflitualidade latente que nasceria com a sua fragmentação. 

Terá sido a resolução – espera-se que definitiva – das questões cubana e iraniana o último dos acordos clássicos dos nossos dias? Claro que sobram ainda a Coreia do Norte e o conflito israelo-palestiniano, mas o desafio diplomático é hoje o de responder a conflitos com partes invisíveis, não legitimadas pelas vias clássicas, irresponsáveis e alheias a qualquer enquadramento institucional. Uma tarefa quase impossível, portanto, a que só se consegue responder forçando a paz ou comprando a paz. Assim, boas notícias como Cuba e o Irão arriscam-se a ser, de futuro, simples glosas elegantes decorando páginas bastante mais truculentas. 

Professor da Faculdade de Direito 
da Universidade de Lisboa 

A velha e paciente diplomacia


Não há diplomacia sem diplomatas, mas não há diplomacia bem-sucedida sem políticos.


Nos últimos dias concretizaram-se dois dos grandes desafios às relações externas dos Estados Unidos nas últimas décadas e, assim sendo, configurando-se necessariamente como questões globais: o reatar das relações diplomáticas daquele país com Cuba e um acordo com o Irão regulando a questão nuclear. 

É certo que, no meio da instabilidade internacional provocada pela nova ameaça do Estado Islâmico ou perante a impossibilidade de se assistir à afirmação de um Estado no Afeganistão, ou ainda face à insegurança e fragilidade em diversos pontos de África, tudo aquilo parecem ser coisas pequenas e localizadas. A conflitualidade e a insegurança, como tudo o resto, são hoje globais. Mas Cuba e Irão não são pormenores. Ironicamente, as novas ameaças à comunidade internacional até provavelmente favoreceram a resolução daqueles conflitos históricos.

Afinal, não se pode estar em colisão com todos ao mesmo tempo. É certo assim que estas são vitórias da diplomacia clássica, a velha e paciente diplomacia, recuperando até a posição algo depauperada nos últimos anos das Nações Unidas.

Não há diplomacia sem diplomatas, mas não há diplomacia bem-sucedida sem políticos. Quando Obama chegou à Casa Branca havia a esperança de que a política externa norte-americana pudesse favorecer finalmente estes acordos. Demorou, mas chegou esse tempo. Por outro lado, quando o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano ou o presidente Castro deram sinais explícitos e contemporâneos de abertura ao diálogo, eles foram bem entendidos pelos seus interlocutores. Fizeram-no, aliás, de forma pública e notória: o que há de mais notório hoje que uma mensagem no Twitter ou um aperto de mão televisionado para todo o mundo?

As vitórias diplomáticas, contudo, precisam de instituições e de pares no contexto internacional. Solucionar de forma pacífica um conflito exige, afinal, contrapartes de cariz estadual, de acordo com o modelo tradicional. Não por acaso, os grandes focos de conflito dispensam hoje esta tradição e colocam-se assim fora do escopo do trabalho pacificador da diplomacia e à mercê da lei da força. Quando se andou a gritar a morte dos Estados no plano internacional, mesmo quando se estava apenas perante Estados formais ou que assumiam conteúdos de governação muito discutíveis, para se ser suave, não seria certamente para exaltar a conflitualidade latente que nasceria com a sua fragmentação. 

Terá sido a resolução – espera-se que definitiva – das questões cubana e iraniana o último dos acordos clássicos dos nossos dias? Claro que sobram ainda a Coreia do Norte e o conflito israelo-palestiniano, mas o desafio diplomático é hoje o de responder a conflitos com partes invisíveis, não legitimadas pelas vias clássicas, irresponsáveis e alheias a qualquer enquadramento institucional. Uma tarefa quase impossível, portanto, a que só se consegue responder forçando a paz ou comprando a paz. Assim, boas notícias como Cuba e o Irão arriscam-se a ser, de futuro, simples glosas elegantes decorando páginas bastante mais truculentas. 

Professor da Faculdade de Direito 
da Universidade de Lisboa