Notícias de justiça – o produtor, o vendedor e o consumidor – 1 (1)


Plantar uma notícia de justiça pode ser acto de quem quer que seja com acesso ao processo.


Quando alguém cria um produto ou serviço novo, os primeiros a quem convencer para poder entrar no mercado são os potenciais vendedores. Assim também se o produto são notícias de justiça. Os produtores das notícias da justiça podem ser múltiplos, como acontece com os produtores de produtos de limpeza. 

Num plano abstracto de classificação do real (como o impõe a seriedade científica e a honestidade intelectual), pode ser produtor deste bem apetecível que é a notícia de justiça qualquer dos sujeitos processuais intervenientes no processo de fabrico: sejam as polícias que investigam, seja a autoridade judiciária que comanda a investigação, sejam os arguidos e seus defensores, sejam os magistrados judiciais que nele interferem pontualmente ou que o julgam, sejam, por fim, testemunhas e outros intervenientes, como tradutores, intérpretes, peritos, etc.

Ou seja, sem maniqueísmos, tem de admitir-se que plantar uma notícia sobre um caso na comunicação social pode ser actuação proveniente de quem quer que seja que tenha tido acesso à existência do processo e/ou teor de qualquer acto ou diligência do mesmo. E pode ser porque, dependendo do caso que seja e do efeito que se pretenda obter com a divulgação, pode interessar a qualquer um deles que a notícia seja vendida ao público.

Pode interessar mostrar eficácia; pode interessar mostrar o trabalho feito e a independência da actuação mesmo contra todas as adversidades; pode interessar demonstrar a fragilidade do conteúdo do processo ou qualquer tipo de vitimização; pode ser interessante exibir poder e dureza ou magnanimidade; a alguns até pode interessar uma revanche pessoal ou pura e simplesmente tornarem-se importantes ou, tão-só, verem o circo pegar fogo.

Ou seja, tal como um médico, conhecedor das regras da arte e da deontologia a que jurou obediência, pode num determinado caso violar essas mesmas regras e normas, o que é conhecido e aceite, não há que escamotear a realidade e pretender que no direito um qualquer profissional não possa fazer o mesmo. São conhecidos casos de médicos que diagnosticam dolosamente mal ou que concluem propositadamente em sentido oposto aos meios de diagnóstico. Com os mais variados propósitos: íntimos, pessoais ou determinados por terceiros. E tal como todos os profissionais do mundo podem violar as regras a que estão obrigados, não cabe pretender que no direito tal não sucede. Também aqui pela mais variada paleta de motivações que a mente humana possa inventar como causa genética para a conduta.

Neste cenário, o produtor apenas tem de convencer o vendedor a pôr a notícia “na montra”… preferencialmente numa “gôndola” ou num “topo de fila”. 

Os vendedores são os meios de comunicação social. E assim surgem as capas e as notícias de abertura dos radiojornais e telejornais! Se o interesse do vendedor não for assim tão “de monta”, então lá ficará relegada para alguma das páginas interiores, com ou sem chamada de capa, ou para o meio do noticiário.
 
(1) Extraído de apresentação feita nas “Jornadas sobre Corrupção – Justiça, Comunicação Social e Aspectos Processuais”, Figueira da Foz, 20.06.2015.

Advogado. 
Escreve à sexta-feira

Notícias de justiça – o produtor, o vendedor e o consumidor – 1 (1)


Plantar uma notícia de justiça pode ser acto de quem quer que seja com acesso ao processo.


Quando alguém cria um produto ou serviço novo, os primeiros a quem convencer para poder entrar no mercado são os potenciais vendedores. Assim também se o produto são notícias de justiça. Os produtores das notícias da justiça podem ser múltiplos, como acontece com os produtores de produtos de limpeza. 

Num plano abstracto de classificação do real (como o impõe a seriedade científica e a honestidade intelectual), pode ser produtor deste bem apetecível que é a notícia de justiça qualquer dos sujeitos processuais intervenientes no processo de fabrico: sejam as polícias que investigam, seja a autoridade judiciária que comanda a investigação, sejam os arguidos e seus defensores, sejam os magistrados judiciais que nele interferem pontualmente ou que o julgam, sejam, por fim, testemunhas e outros intervenientes, como tradutores, intérpretes, peritos, etc.

Ou seja, sem maniqueísmos, tem de admitir-se que plantar uma notícia sobre um caso na comunicação social pode ser actuação proveniente de quem quer que seja que tenha tido acesso à existência do processo e/ou teor de qualquer acto ou diligência do mesmo. E pode ser porque, dependendo do caso que seja e do efeito que se pretenda obter com a divulgação, pode interessar a qualquer um deles que a notícia seja vendida ao público.

Pode interessar mostrar eficácia; pode interessar mostrar o trabalho feito e a independência da actuação mesmo contra todas as adversidades; pode interessar demonstrar a fragilidade do conteúdo do processo ou qualquer tipo de vitimização; pode ser interessante exibir poder e dureza ou magnanimidade; a alguns até pode interessar uma revanche pessoal ou pura e simplesmente tornarem-se importantes ou, tão-só, verem o circo pegar fogo.

Ou seja, tal como um médico, conhecedor das regras da arte e da deontologia a que jurou obediência, pode num determinado caso violar essas mesmas regras e normas, o que é conhecido e aceite, não há que escamotear a realidade e pretender que no direito um qualquer profissional não possa fazer o mesmo. São conhecidos casos de médicos que diagnosticam dolosamente mal ou que concluem propositadamente em sentido oposto aos meios de diagnóstico. Com os mais variados propósitos: íntimos, pessoais ou determinados por terceiros. E tal como todos os profissionais do mundo podem violar as regras a que estão obrigados, não cabe pretender que no direito tal não sucede. Também aqui pela mais variada paleta de motivações que a mente humana possa inventar como causa genética para a conduta.

Neste cenário, o produtor apenas tem de convencer o vendedor a pôr a notícia “na montra”… preferencialmente numa “gôndola” ou num “topo de fila”. 

Os vendedores são os meios de comunicação social. E assim surgem as capas e as notícias de abertura dos radiojornais e telejornais! Se o interesse do vendedor não for assim tão “de monta”, então lá ficará relegada para alguma das páginas interiores, com ou sem chamada de capa, ou para o meio do noticiário.
 
(1) Extraído de apresentação feita nas “Jornadas sobre Corrupção – Justiça, Comunicação Social e Aspectos Processuais”, Figueira da Foz, 20.06.2015.

Advogado. 
Escreve à sexta-feira