À medida que se aproxima a decisão sobre a venda do Novo Banco (NB), desvanecem-se as esperanças dos milhares de compradores de papel comercial de verem o seu problema resolvido, recebendo o dinheiro que enterraram na organização tentacular da família Espírito Santo cuja queda fraudulenta ia atirando Portugal para a bancarrota.
Os enganados do BES enfrentam um verdadeiro contra-relógio, uma vez que a decisão do Banco de Portugal – e, claro está, do governo – pode ser tomada até ao fim do mês. Para eles, os lesados, é indiferente que o vencedor da corrida seja o fundo americano Apollo ou um dos dois grupos chineses que concorrem, um dos quais apresenta uma fragilidade preocupante.
O que interessa às vítimas de Salgado é que falta pouco tempo para poderem fazer valer os seus direitos através de acções públicas de rua, as quais, em bom rigor, são as mais eficazes para evitar que os seus direitos se dissolvam no curso e nos recursos da justiça que, em matérias relacionadas com a banca, é ainda mais lenta do que nas outras.
Basta ver a circunstância de não haver ainda uma acusação contra os gestores do BES que assassinaram a economia portuguesa. Nos Estados Unidos, em menos de um ano e meio, Madoff estava condenado a mais de cem anos de prisão e a maioria dos lesados estavam a ser indemnizados.
Com a chegada de Agosto e de muitas centenas de emigrantes ludibriados, noticiam-se – mas não se formalizam – soluções para quem está fora do país. Entretanto aproxima-se a decisão de venda e com ela cairá a última hipótese de utilizar a mediatização para encontrar uma solução prévia que minore os danos de cada um. Na generalidade, os burlados são pessoas normais (vulgo mexilhão) que aplicaram o seu dinheiro na boa-fé de que estavam a contratar algo equivalente a depósitos a prazo, conforme indicação de gestores de conta.
Claro que convém distinguir este tipo de tomadores de aplicações de especuladores e de accionistas do grupo Espírito Santo e do banco respectivo, que não podiam ignorar as manobras sinistras e megalómanas para arranjar dinheiro a fim de tentar salvar um grupo que estava moribundo.
Dir-se-á que a seguir à venda do banco há ainda a mediática campanha eleitoral legislativa, que os espoliados já ameaçaram utilizar para se manifestarem. É verdade. Mas não é a mesma coisa. Pelo contrário, será muito diferente. Mesmo que façam grande estardalhaço, o tema estará ultrapassado a partir da venda do Novo Banco.
Para os cidadãos de classe média detentores de papel comercial Espírito Santo (sejam eles emigrantes ou não), a solução de ressarcimento tem de ser anunciada e garantida antes da venda. De outro modo, nada garante que o NB seja efectivamente considerado parte legítima na responsabilidade desse encargo. E, entretanto, já se viu que no chamado banco mau o que existe não tapa minimamente o buraco deixado por Salgado e por parceiros como Morais Pires.
Carlos Tavares, o presidente da CMVM, tentou que parte do ónus ficasse do lado do comprador do banco. Foi tempo e energia desperdiçada. Ninguém, a começar pelo Banco de Portugal e o governo, está interessado em segui-lo.
Para Carlos Costa e para o governo, nas pessoas de Passos Coelho, Portas e Maria Luís Albuquerque, que aplicaram a medida de resolução ditada pela União Europeia, é essencial obter uma venda que se aproxime o mais possível dos 3 mil e 900 milhões que foram injectados no sucedâneo do BES (NB). Para os bancos que contribuíram para o fundo de onde saiu o dinheiro é exactamente a mesma coisa, para evitarem um prejuízo ainda maior do que os previsíveis mil milhões. Finalmente, para os candidatos à compra do NB, herdar uma dívida e uma litigância imprevisíveis é inadmissível, a menos que o preço de compra desça para menos de 2 mil milhões, o que é impensável para Carlos Costa, para o governo e para o conjunto da banca.
Os tomadores do papel comercial vendido aos balcões do BES têm, portanto, muito pouco para fazerem valer os seus pontos de vista antes de se perderem nos meandros judiciais, dos quais jamais sairão. Para já, lutam sozinhos no meio de uma indiferença cínica de todos os partidos políticos, que fogem do tema como o diabo da cruz.
Muitos dos espoliados mereciam melhor sorte depois de verem a suas poupanças engolidas num processo tenebroso. E, como se não bastasse, arriscam-se a demandar na justiça gente com culpas relativas (como quem aplicou a medida de resolução), enquanto os verdadeiros responsáveis das organizações Espírito Santo continuam relativamente a salvo, até materialmente.
Jornalista
Director da Newshold
Escreve à quarta-feira