Caso BES. O silêncio dos falidos

Caso BES. O silêncio dos falidos


Salgado já não é bem-vindo entre os seus pares. Recentemente, foi obrigado a sair de um restaurante.


Quando o governador do Banco de Portugal aprovou a resolução sobre o BES que extinguiu o banco da família Espírito Santo e criou o Novo Banco, a 3 de Agosto do ano passado, deixou de fora uma realidade cujo impacto ainda hoje está longe de ser conhecido. A instituição financeira liderada por Ricardo Salgado funcionava, e muito, com base em relações pessoais entre primos, irmãos, família mais ou menos distante e amigos de amigos, além de uma vasta rede de empresas. Todos com acesso fácil ao crédito.

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O Montepio é um dos bancos onde os estragos dessas relações interpessoais começam a ser conhecidos, mas não é caso único. A Portugal Telecom ruiu porque havia uma proximidade muito grande entre Henrique Granadeiro e Ricardo Salgado, que foi antecedida de outros laços de Salgado, com Miguel Horta e Costa e até Murteira Nabo.
A aplicação de 897 milhões de euros da empresa em dívida da Rioforte, numa altura em que já começavam a ser conhecidas as fragilidades do grupo, enquadra-se neste contexto, que está longe de ser o único no universo empresarial português.

Outro exemplo: a TEMPLE, de Vasco Pereira Coutinho, que tem em curso um processo especial de revitalização, juntamente com a TMPL, onde o empresário investiu 13,3 milhões de euros, também tem créditos malparados na banca. O BES foi a instituição financeira que mais emprestou, num total de 28,4 milhões de euros, muito acima dos 18,3 milhões do BCP, dos 6,5 milhões do BPI ou dos 5,1 milhões do Santander.

Mas os estragos não se ficam por aqui. A venda do Novo Banco trará a público muito mais casos de empresas e empresários que já se estão a ressentir dos novos critérios de avaliação de crédito concedido pelo Novo Banco, enquanto um sem-número de falências de pessoas individuais associadas à extinção do BES já está a decorrer no segredo dos deuses.

Esta informalidade de gestão foi aliás realçada no relatório final da comissão parlamentar de inquérito ao BES. Para os deputados ficou claro que o Grupo Espírito Santo em particular tinha uma gestão “fortemente personalizada”, evidenciando “fragilidades de organização”. Mesmo relativamente ao banco, o relatório realça que “persistiam diversas informalidades, conflitos de interesses, uma ausência de segregação de funções, a par de debilidades no exercício pleno de funções de controlo interno”.

Grandes fora das manifes. Quem siga atentamente as manifestações dos lesados do papel comercial facilmente repara que não há nomes sonantes entre os que se têm deslocado às agências do Novo Banco para identificar os funcionários que lhes venderam estas aplicações. 

Há um silêncio ensurdecedor que envolve a elite portuguesa, a qual, naturalmente, tinha grande parte das suas contas no BES e confiava cegamente na gestão das suas fortunas pelo Private. 

Mesmo no mês que antecedeu a resolução, assinaram autorizações em branco para movimentação de contas a prazo em Portugal e no estrangeiro, acabando por perder tudo. A confiança criada ao longo de décadas acabou por se sobrepor à mais elementar prudência. 

Contudo, já em Dezembro de 2013, o BES tinha colocado largas centenas de milhões de euros de dívida da Espírito Santo International (ESI), a segunda holding da família, que controlava a Rioforte, a ESFG e o BES, junto de clientes de retalho. Sem qualquer supervisão, uma vez que a ESI não estava sujeita ao crivo do Banco de Portugal.
A discrição tem sido a palavra-chave deste grupo de lesados que perderam milhares de euros na derrocada do grupo liderado por Ricardo Salgado.

Recentemente, num almoço que decorreu no conhecido restaurante Panorama, no Guincho, o antigo banqueiro teve uma recepção bastante hostil, acabando por ter de se levantar e sair porque os comensais começaram a bater com os talheres em cima da mesa logo que este entrou.

A situação seria impensável há um ano, quando Salgado ainda punha e dispunha na família, em muitas das empresas portuguesas, como a Ongoing, sem esquecer o mundo da política, com especial destaque para Paulo Portas, com quem se encontrava regularmente, e até José Sócrates, que depois acabou por deixar cair quando defendeu publicamente a inevitabilidade da intervenção da troika.